A tradição que polui mais em uma hora do que um ônibus em um dia
A queima de bonecos de Ano Velho, tradição que simboliza o fim de um ciclo, esconde riscos ambientais. Em poucas horas, libera mais CO₂ e material particulado do que um ônibus em operação, ameaçando saúde e sustentabilidade.
A virada do ano é, sem dúvida, um momento de alegria, renovação e reflexão para muitas comunidades ao redor do mundo. Entre as diversas tradições que marcam essa data festiva, a queima de bonecos de “Ano Velho” desperta curiosidade, mas também preocupação.
Contudo, por trás do aspecto pitoresco e divertido, esconde-se um cenário alarmante de poluição atmosférica que tem gerado questionamentos sobre a sustentabilidade dessa festividade.
Ao longo dos últimos anos, essa queima tradicional ganhou força em diversas regiões, muitas vezes acompanhada de efeitos pirotécnicos e fogos de artifício. O problema é que, ao incendiar dezenas ou até centenas de bonecos simultaneamente, liberam-se grandes quantidades de monóxido de carbono (CO) e dióxido de carbono (CO₂), além de partículas finas (PM₂₅ e PM₁₀), que prejudicam a saúde humana e o meio ambiente. Embora seja considerada por muitos como “diversão inofensiva”, a quantidade de emissões liberadas em apenas uma noite pode superar facilmente o que um ônibus urbano emite durante um dia inteiro de operação.
De onde vem a tradição?
A queima de representações do “ano velho” tem raízes em rituais populares que simbolizam a purificação e o renascimento. Em algumas culturas, acreditava-se que o fogo podia afastar maus espíritos, purificar ambientes e trazer sorte para o novo período que se iniciava.
Na América Latina, sobretudo em países como Equador e Colômbia, a prática tornou-se um marco turístico e cultural. Em determinados locais, famílias competem entre si para ver quem cria o boneco mais chamativo ou criativo. Contudo, a expansão dessa tradição também significa que mais materiais inflamáveis — e muitas vezes tóxicos — são utilizados na produção dos bonecos, desde tintas industriais até tecidos sintéticos, gerando impactos ambientais expressivos quando queimados.
O impacto ambiental alarmante
Um dos grandes desafios ao analisar o impacto ambiental desta tradição está na falta de estatísticas consolidadas. Entretanto, estimativas de organizações ambientais sugerem que, em algumas cidades, a queima de um único boneco de dimensões médias (aproximadamente 2 metros de altura) pode liberar até 5 ou 6 quilos de dióxido de carbono.
Além do CO₂, outros poluentes perigosos entram em cena, como o material particulado fino (MP2.5). Essas partículas, menores que 2,5 micrômetros de diâmetro, são capazes de penetrar profundamente no sistema respiratório, causando problemas de saúde como asma, bronquite e doenças cardiovasculares.
Em alguns locais, já se observou que a concentração de MP na atmosfera pode dobrar ou até triplicar após as celebrações de fim de ano, afetando principalmente crianças e idosos.
Soluções e alternativas sustentáveis
Diante dos impactos ambientais e de saúde que a queima de bonecos de “Ano Velho” acarreta, é fundamental buscar alternativas mais sustentáveis. Uma abordagem possível é a criação de esculturas produzidas com materiais biodegradáveis e livres de tintas tóxicas, reduzindo as emissões de gases poluentes. Além disso, há quem opte por incinerar essas criações em fornos especializados ou em espaços projetados para minimizar a liberação de poluentes na atmosfera.
Outra solução é substituir a queima por representações simbólicas. Em vez de colocar fogo nos bonecos, as comunidades podem optar por expressões culturais distintas, como desfiles de fantasias, apresentações teatrais e distribuição de panfletos informativos sobre sustentabilidade. Promover a educação ambiental e conscientizar as pessoas sobre os prejuízos à saúde e ao meio ambiente pode, lentamente, mudar a percepção de que essas fogueiras festivas são inofensivas.
Se a tradição é forte e importante para a identidade de determinadas regiões, então o caminho para um futuro mais limpo passa pela adoção de medidas de controle e regulamentação. Isso pode incluir autorizações prévias para a queima, limites de tamanho e materiais utilizados, bem como a fiscalização de órgãos ambientais durante as celebrações. Ao equilibrar a manutenção cultural com a responsabilidade ecológica, será possível manter viva a alegria da virada de ano, sem prejudicar o ar que todos respiram.