Aquecimento simultâneo dos oceanos Pacífico e Atlântico pode agravar seca na Amazônia
Os dois fenômenos de aquecimento que estão acontecendo simultaneamente nas águas do oceano Pacífico e do Atlântico inibem a formação de chuvas sobre a Amazônia. O resultado é um agravamento das condições secas na região.
Dois fenômenos simultâneos que estão em curso atualmente podem agravar e até prolongar a seca na Amazônia. Trata-se do aquecimento das águas dos oceanos Atlântico Tropical Norte, logo acima da linha do equador, e do Pacífico Equatorial, este último devido ao atual fenômeno El Niño. Essa situação “dupla” inibe a formação de nuvens, diminuindo o volume de chuvas na região amazônica.
Uma situação semelhante ocorreu no ano de 2010, quando houve a seca mais intensa em 120 anos na Bacia Amazônica. Um estudo sobre este caso, que foi publicado em 2011 na revista Geophysical Research Letters, identificou que essa situação começou no verão, com o aquecimento das águas do Pacífico pelo El Niño, e foi intensificada pelo aquecimento das águas tropicais do Atlântico Norte. Isso acarretou em uma estação seca que se estendeu por vários meses.
O que está acontecendo na bacia Amazônica?
Segundo uma nota técnica do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), os oceanos Pacífico Norte e Atlântico Tropical Norte estão apresentando temperaturas entre 2ºC e 4ºC acima da média. É nesse novo contexto que os fenômenos simultâneos estão ocorrendo.
Apesar de o reflexo dos aquecimentos simultâneos ocorrerem em áreas diferentes da Amazônia, eles desencadeiam um mecanismo de ação similar sobre a floresta amazônica. Isto é, com as águas oceânicas mais aquecidas, as correntes ascendentes carregam o ar aquecido para a atmosfera. Esse ar segue até a Amazônia através de duas correntes descendentes: no caso do El Niño, de leste para oeste a partir do Pacífico; no caso do Atlântico, de norte para sul. Esse ar mais quente que sobe atua inibindo a formação de nuvens e, por consequência, das chuvas.
Segundo o pesquisador Renato Senna, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), nos anos em que aconteceram situações semelhantes (2005 e 2010), houve atraso no início da estação chuvosa e foram registrados recordes históricos de seca. “As condições começam a se repetir e provavelmente teremos uma grande seca, com atraso no início da estação chuvosa”, disse ele.
Apesar de algumas partes da Amazônia estarem recebendo pancadas de chuva, no momento, o Alto Solimões e o extremo leste já apresentam criticidade para a navegação. Senna observa que a bacia do rio Negro deve ser a primeira a sofrer os impactos da seca e, em seguida, as demais regiões do Solimões.
As preocupações que secas na Amazônia trazem
As secas na Amazônia aumentaram de frequência e de intensidade nos últimos anos, e Senna destaca que a região não está preparada para enfrentar esses períodos secos. A repercussão da seca é a mais grave por causa dos impactos negativos que ela causa na geração de energia, na navegabilidade e no acesso à educação e saúde. “É um processo muito caótico para a região. As pessoas estão mais resilientes para as condições de cheias na região, mas não para as secas”, disse ele.
Outro motivo de preocupação são as queimadas. Liana Anderson, especialista em secas do Cemaden, disse em uma reunião que “Há uma extensão grande com risco de fogo pelas chuvas abaixo da média, aumento da temperatura, e agora temos um alerta de onda de calor. Tudo isso vai deixando toda a paisagem muito mais flamável”. “As áreas que foram desmatadas no ano passado em algum momento podem queimar”, acrescentou ela.
As previsões indicam que o El Niño seguirá atuando durante o verão, com mais de 95% de probabilidade entre janeiro e março de 2024, e espera-se que as chuvas na região Amazônica fiquem abaixo da média até novembro, pelo menos, o que agrava as condições de seca na região. E ainda não é possível prever por quanto tempo o início da estação chuvosa lá deve atrasar.