Banido no Reino Unido: pesticida é causa de envenenamento em agricultores no Brasil

Apesar de ter proibido o uso em território nacional, Grã-Bretanha exporta agrotóxico diquat para outros países. Casos de intoxicação são relatados por trabalhadores do campo.

O agricultor de tabaco Valdemar Postanovicz, 45 anos, foi envenenado com diquat. Fotografia: Marcelo Curia/Unearthed/Public Eye
O agricultor de tabaco Valdemar Postanovicz, 45 anos, foi envenenado com diquat. Fotografia: Marcelo Curia/Unearthed/Public Eye

Em 2021, Valdemar Postanovicz, um agricultor de 45 anos do Paraná, no sul do Brasil, viveu uma experiência traumática após ser exposto ao pesticida Reglone, que contém o químico diquat.

“Todo o lado direito do meu corpo ficou paralisado. Não conseguia sentir meu pé nem minha mão. Minha boca se torceu para o lado direito”, descreve Postanovicz, que temia estar sofrendo um acidente vascular cerebral (AVC).

Na verdade, ele estava enfrentando os sintomas de uma intoxicação aguda por pesticidas.

Reino Unido: exportação legal, mas questionável

O Reglone e outros pesticidas à base de diquat foram proibidos no Reino Unido por seu alto risco à saúde e ao meio ambiente. Contudo, investigações conduzidas pela Greenpeace, por meio de sua unidade Unearthed, revelaram que o diquat e outros produtos tóxicos continuam sendo exportados legalmente para países em desenvolvimento, como o Brasil.

Em 2023, o Reino Unido exportou mais de 8.400 toneladas de pesticidas banidos, com 98% dessa quantidade proveniente da empresa Syngenta, com sede na Suíça e controlada por um grupo chinês.

O Brasil é um dos maiores consumidores do diquat, substância conhecida por causar danos graves à saúde, incluindo cegueira, vômitos, convulsões e até morte. Embora o diquat tenha sido proibido na União Europeia desde 2019 e no Reino Unido desde 2020, ele ainda é amplamente utilizado em diversas partes do mundo, especialmente no Brasil, onde seu uso aumentou de 1.400 toneladas em 2019 para 24.000 toneladas em 2022.

A realidade das intoxicações no Brasil

Marcelo de Souza Furtado, da Secretaria de Saúde do Paraná, diz que muitos casos de intoxicação não são notificados. Foto: Marcelo Curia/Unearthed/Public Eye
Marcelo de Souza Furtado, da Secretaria de Saúde do Paraná, diz que muitos casos de intoxicação não são notificados. Foto: Marcelo Curia/Unearthed/Public Eye

A crescente utilização do diquat no Brasil tem levado ao aumento das intoxicações acidentais. Entre 2018 e 2021, o estado do Paraná, um dos maiores consumidores de diquat, registrou de um a três casos de envenenamento por ano. Esse número saltou para seis casos em 2022 e nove em 2023.

Marcelo de Souza Furtado, da Secretaria de Saúde do Paraná, alertou que o número real de intoxicações é muito maior, já que muitos casos não são notificados devido à falta de acesso à saúde em áreas remotas e ao medo de represálias por parte dos empregadores.

Furtado também destacou que, com a proibição do paraquat no Brasil em 2020, o uso de diquat aumentou consideravelmente. “Estamos preocupados. Se já foi banido em outros países, isso já mostra que tem um efeito muito tóxico”, afirmou.

Especialista critica a exportação de pesticidas banidos

Dr. Marcos Orellana, relator especial da ONU para toxinas e direitos humanos, condena a exportação de pesticidas banidos para países em desenvolvimento, acusando o Reino Unido de "exploração moderna". Orellana ressaltou que essa prática coloca em risco a saúde de trabalhadores rurais no Brasil e em outros países do Sul Global, em muitos casos, sem as devidas condições de segurança.

Em resposta, a Syngenta defende que seus produtos são seguros quando usados corretamente e que as exportações cumprem as regulamentações de cada país importador. A empresa também destaca que os pesticidas, como o diquat, são ferramentas essenciais para aumentar a produtividade agrícola e reduzir a emissão de carbono, por meio de práticas como o plantio direto.

No entanto, a Greenpeace e outros grupos de defesa dos direitos humanos questionam a ética dessa prática, classificando a exportação de produtos banidos como irresponsável. Doug Parr, cientista-chefe da Greenpeace, afirmou que "os pesticidas como o diquat destroem a terra e a biodiversidade para produzir produtos agrícolas destinados à exportação, sem considerar os danos sociais e ambientais".

Referências da notícia

The Guardian. ‘My right side was paralysed, I was so sick’: the pesticide poisonings in Brazil that lead back to the UK. 2024