Banido no Reino Unido: pesticida é causa de envenenamento em agricultores no Brasil
Apesar de ter proibido o uso em território nacional, Grã-Bretanha exporta agrotóxico diquat para outros países. Casos de intoxicação são relatados por trabalhadores do campo.
Em 2021, Valdemar Postanovicz, um agricultor de 45 anos do Paraná, no sul do Brasil, viveu uma experiência traumática após ser exposto ao pesticida Reglone, que contém o químico diquat.
“Todo o lado direito do meu corpo ficou paralisado. Não conseguia sentir meu pé nem minha mão. Minha boca se torceu para o lado direito”, descreve Postanovicz, que temia estar sofrendo um acidente vascular cerebral (AVC).
Na verdade, ele estava enfrentando os sintomas de uma intoxicação aguda por pesticidas.
Reino Unido: exportação legal, mas questionável
O Reglone e outros pesticidas à base de diquat foram proibidos no Reino Unido por seu alto risco à saúde e ao meio ambiente. Contudo, investigações conduzidas pela Greenpeace, por meio de sua unidade Unearthed, revelaram que o diquat e outros produtos tóxicos continuam sendo exportados legalmente para países em desenvolvimento, como o Brasil.
O Brasil é um dos maiores consumidores do diquat, substância conhecida por causar danos graves à saúde, incluindo cegueira, vômitos, convulsões e até morte. Embora o diquat tenha sido proibido na União Europeia desde 2019 e no Reino Unido desde 2020, ele ainda é amplamente utilizado em diversas partes do mundo, especialmente no Brasil, onde seu uso aumentou de 1.400 toneladas em 2019 para 24.000 toneladas em 2022.
A realidade das intoxicações no Brasil
A crescente utilização do diquat no Brasil tem levado ao aumento das intoxicações acidentais. Entre 2018 e 2021, o estado do Paraná, um dos maiores consumidores de diquat, registrou de um a três casos de envenenamento por ano. Esse número saltou para seis casos em 2022 e nove em 2023.
Marcelo de Souza Furtado, da Secretaria de Saúde do Paraná, alertou que o número real de intoxicações é muito maior, já que muitos casos não são notificados devido à falta de acesso à saúde em áreas remotas e ao medo de represálias por parte dos empregadores.
Furtado também destacou que, com a proibição do paraquat no Brasil em 2020, o uso de diquat aumentou consideravelmente. “Estamos preocupados. Se já foi banido em outros países, isso já mostra que tem um efeito muito tóxico”, afirmou.
Especialista critica a exportação de pesticidas banidos
Dr. Marcos Orellana, relator especial da ONU para toxinas e direitos humanos, condena a exportação de pesticidas banidos para países em desenvolvimento, acusando o Reino Unido de "exploração moderna". Orellana ressaltou que essa prática coloca em risco a saúde de trabalhadores rurais no Brasil e em outros países do Sul Global, em muitos casos, sem as devidas condições de segurança.
Em resposta, a Syngenta defende que seus produtos são seguros quando usados corretamente e que as exportações cumprem as regulamentações de cada país importador. A empresa também destaca que os pesticidas, como o diquat, são ferramentas essenciais para aumentar a produtividade agrícola e reduzir a emissão de carbono, por meio de práticas como o plantio direto.
No entanto, a Greenpeace e outros grupos de defesa dos direitos humanos questionam a ética dessa prática, classificando a exportação de produtos banidos como irresponsável. Doug Parr, cientista-chefe da Greenpeace, afirmou que "os pesticidas como o diquat destroem a terra e a biodiversidade para produzir produtos agrícolas destinados à exportação, sem considerar os danos sociais e ambientais".
Referências da notícia
The Guardian. ‘My right side was paralysed, I was so sick’: the pesticide poisonings in Brazil that lead back to the UK. 2024