Brasileiros participam da descoberta de um evento raro de colisão de estrelas de nêutrons
Grupo de brasileiros do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas participaram da descoberta da fusão mais energética já registrada. O evento se chama kilonova que é uma colisão entre estrelas de nêutrons.
No Universo, o campo gravitacional faz com que objetos sejam atraídos um ao outro. Por causa desse efeito, é relativamente comum observar colisões acontecendo. Um exemplo famoso é a futura colisão que ocorrerá entre as galáxias Via Láctea e Andrômeda. Outro exemplo é a formação da própria Lua que pode ter sido causada por uma colisão na Terra.
Os objetos compactos - classe que consiste em buracos negros, estrelas de nêutrons e anã brancas - não escapam desse fenômeno. Colisões entre buracos negros são registradas continuamente. Desde 2015, essas colisões são observadas através de ondas gravitacionais. Já colisões entre estrelas de nêutrons são extremamente energéticas e podem ser observadas através da luz.
Um grupo do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) participou da descoberta da colisão contendo estrelas de nêutrons mais energética já registrada. A descoberta teve participação de inúmeros países. O nome desse tipo de colisão é kilonova e é considerada um evento raro pelos astrônomos.
Kilonova
Quando dois objetos compactos estão orbitando um ao outro, é possível que eles percam energia durante o processo. A energia geralmente é perdida através de ondas gravitacionais. Isso faz com que esses objetos vão se aproximando até finalmente chegarem ao ponto que colidem e se fundem.
A fusão de dois objetos compactos é extremamente energética causando emissão de radiação desde raios gama até ondas de rádio. Esse evento é importante porque durante o processo ocorre a formação de elementos mais pesados como ouro e urânio. Elementos que são encontrados na Terra e podem ter vindo de kilonovas.
Estrelas de nêutrons
Na morte de uma estrela massiva, é possível que ocorra a formação de uma estrela de nêutrons. Quando o colapso da estrela ocorre, o núcleo sofre uma pressão extrema causando um processo chamado de captura de nêutrons. Esse processo faz com que prótons e elétrons combinem para formar nêutrons.
Uma estrela de nêutrons é extremamente densa onde a quantidade de uma xícara pode ter mais massa que o planeta Terra inteiro. Elas são objetos que distorcem o espaço-tempo drasticamente, ou seja, possuem um campo gravitacional intenso. Por isso, durante a colisão entre esses objetos é comum a emissão de ondas gravitacionais.
As estrelas de nêutrons também são importantes para outros fenômenos como pulsares. Pulsares são estrelas de nêutrons que rotacionam com uma velocidade alta. Eles funcionam como verdadeiros farois cósmicos com uma periodicidade precisa. Ao serem descobertos, a precisão era tanta que astrônomos até sugeriram se tratar de extraterrestre.
Colisões de objetos compactos
A busca por colisões entre objetos compactos não é nova. O marco mais importante aconteceu em 2015 quando o time do observatório de ondas gravitacionais LIGO divulgou a primeira observação de uma fusão de buracos negros. Desde então, várias outras colisões foram observadas inclusive entre buraco negro e estrela de nêutrons.
As colisões que envolvem estrela de nêutrons chamam atenção porque há uma componente eletromagnética. Em outras palavras, é possível observar a colisão através de ondas gravitacionais e através do espectro eletromagnética, ou seja, através da luz. Dessa forma, as observações entram na área da Astronomia Multimensageira que significa observação em duas ou mais formas distintas.
Evento mais energético já registrado
Quando o evento que ficou conhecido como GRB 230307A aconteceu, os detectores de ondas gravitacionais estavam desligados. No entanto, foi possível observar a componente eletromagnética através de raios gama. A kilonova observada foi a mais energética já registrada e com a maior explosão de raios gama associada a esse tipo de evento.
Vários telescópios foram utilizados durante a observação inclusive o telescópio SOAR que era monitorado por pesquisadores brasileiros. O time do professor Clécio De Bom localizado no CBPF utilizou os dados do telescópio para analisar a explosão. Dois grupos chegaram a conclusões semelhantes de maneira independente e ambos trabalhos estão na revista Nature.
Corrida contra o tempo
Após a explosão da kilonova, o brilho causado diminui rapidamente em questão de horas ou dias. Por causa disso, a obtenção e análise dos dados são feitas em uma verdadeira corrida contra o tempo. O brilho diminui rapidamente e fica fora do alcance dos telescópios.
O professor De Bom acredita que o motivo do brilho ter tido uma duração longa é porque a colisão deu origem à um disco de acreção em torno do buraco negro resultante. Esse disco brilha durante o processo de acreção e muitas vezes pode emitir também raios gama, de uma forma mais fraca que a colisão em si.
Outro mistério
O fenômeno também traz outro mistério associado. O local que a observação foi feita é consideravelmente longe da galáxia. Ainda não se sabe se as estrelas de nêutrons faziam parte da galáxia ou tinham sido ejetadas por algum fenômeno gravitacional. É de interesse na Astronomia entender como esses processos acontecem.
Apesar disso, foram encontrados evidências de elementos pesados durante essa observação. Isso ajuda a comprovar o modelo que elementos pesados são realmente originados nas colisões de estrelas de nêutrons.