Crise climática: por que a diferença entre 1,5°C e 2°C é importante?
Essa diferença de meio grau pode significar um planeta habitável para todos ou apenas para alguns. A seguir, veremos o que esses poucos décimos implicam.
Quando a humanidade decidiu, no Acordo de Paris de 2015, evitar um aumento da temperatura média global bem abaixo de 2°C em relação aos níveis pré-industriais, e se esforçou para limitar esse aumento a 1,5°C, ambos objetivos para o ano 2100, certamente não pensava-se então que os prazos seriam encurtados porque o processo de aquecimento global acelerou essa mudança climática gerada pelo ser humano.
Nosso planeta ultrapassará o limiar de 1,5°C acima dos níveis pré-industriais no início da década de 2030, quase 70 anos antes do previsto, enquanto se estima que cruzaremos o limiar de 2°C até 2050.
Agora, se meio grau parece uma diferença insignificante em qualquer termômetro... Por que ele é tão importante para quem estuda Mudanças Climáticas?
Tempo e Clima
Para descobrir por que essa diferença mínima é tão importante, vamos revisar duas definições que costumam ser confusas: tempo e clima.
- O tempo muda constantemente em questão de dias, horas e minutos.
- O clima é mais permanente, sofre menos variações ao longo das décadas e permite caracterizar diferentes pontos do planeta.
Se Nova York e Cancún tiverem temperaturas de 25°C com tempestades ao mesmo tempo, podemos dizer que elas têm o mesmo tempo… mas obviamente o clima das duas cidades é diferente!
O tempo é a descrição das condições meteorológicas (temperatura, umidade, nuvens, chuva, vento, etc.) num determinado momento e local, enquanto o clima é o tempo médio de um local durante um período de 30 anos. É como a diferença entre a nota do exame (tempo) e a nota final do ano todo (clima): mesmo com reprovação, passo na média. E apenas alguns décimos podem fazer a diferença entre aprovar e não aprovar.
Essa mesma diferença pode fazer com que o clima de um lugar mude. E como muitas espécies prosperaram sob certas condições climáticas, se estas mudarem, elas só têm três caminhos possíveis: adaptar, migrar ou morrer.
Por que 1,5°C? Por que 2°C?
Em meados da década de 1970, William Nordhaus, economista da Universidade de Yale, publicou alguns documentos científicos nos quais sugeria que, se o aquecimento global ultrapassasse os 2ºC, as consequências sobre o clima seriam extremas, como nenhuma civilização humana jamais experimentou.
Em 1988, James Hansen, um cientista da NASA, em depoimento perante o Congresso dos Estados Unidos descreveu a ligação entre as emissões humanas de dióxido de carbono e o aumento da temperatura média global, indicando que se o mundo não reduzisse as emissões, as consequências para o clima seriam catastróficas.
Esse depoimento motivou outros cientistas a investigar quais seriam essas consequências catastróficas no clima, usando 1°C ou 2°C como temperaturas de referência para seus modelos. No Acordo de Paris de 2015, os países do planeta concordaram em limitar o aumento de temperatura para 2 °C até o final do século, sendo preferível limitá-los a 1,5 °C porque esse limite pode reduzir o risco dos piores efeitos das mudanças climáticas em todo o mundo.
Esses limites não são números mágicos, muito menos limites de proteção. São indicadores das possíveis mudanças no clima planetário que deixarão os seguintes impactos até o final do século, segundo o Carbon Brief:
Inundações costeiras
- 1,5 °C: o nível do mar terá subido 48 cm, praticamente dobrando os níveis atuais.
- 2 °C: o nível médio do mar terá subido 56 cm pelo menos até o final do século.
Das 10 maiores cidades do planeta, oito são costeiras e com ambos os limiares sofrerão inundações, maremotos, erosão... a relocalização das cidades costeiras terá de ser feita a custos imprevistos.
Ondas de calor
Os últimos dois meses foram de temperaturas recordes. Dos 20 anos mais quentes desde que se tem registros (150 anos de dados), 19 ocorreram neste século.
Dos 30 dias mais quentes desde a década de 1940, 21 ocorreram neste mês. Vivemos um período em que certamente os recordes de calor continuarão a ser batidos, e isso coloca em risco a saúde da população, principalmente nos países pobres.
- 1,5°C: haverá até 19 dias extras de calor extremo por ano, com períodos de calor durando 17 dias a mais do que o normal. 14% da população mundial será exposta a uma onda de calor severa a cada 5 anos.
- 2°C: Haverá 29 dias adicionais de calor extremo por ano. Os períodos quentes durarão 35 dias a mais do que atualmente. 37% da população mundial será exposta a uma onda de calor severa a cada 5 anos.
Precipitações
A mudança climática altera os padrões globais de precipitação, gerando chuvas extremas, bem como secas extraordinárias. Ambas as situações terão impacto na economia, saúde, segurança alimentar e migração da população mundial que, segundo a Organização Mundial de Saúde, colocará 700 milhões de pessoas em risco de deslocamento em 2030.
- 1,5 °C: precipitação extrema afetará 17% da terra, enquanto a precipitação média aumentará 2%.
- 2 °C: a precipitação extrema afetará 36% da terra e a precipitação média aumentará para 4%.
Tempestades tropicais
Ciclones, furacões e tufões referem-se ao mesmo tipo de fenômeno em diferentes partes do planeta. Além desse elemento comum, ambos os cenários os tornarão mais fortes, rápidos e destrutivos devido ao aumento da temperatura do mar, aumentando a frequência dos fenômenos de categoria 4 e 5, os mais poderosos.
Habitats de animais e plantas
Estima-se que a perda de habitats de todas as espécies duplique ou triplique se a temperatura passar de 1,5°C para 2°C. Se a temperatura subir 4,5°C, a maior parte do planeta não será capaz de suportar a vida selvagem.
Riscos para a saúde
A mudança climática é um problema de poluição que pode desencadear outros problemas na saúde humana e causar mais morte e dor do que a pandemia do COVID 19, através de ondas de calor, doenças vetoriais, poluição da água, etc.
No caso de doenças em que o mosquito é o vetor transmissor, os efeitos são mais evidentes, pois sua área de distribuição é favorecida pelo aumento de chuvas, umidade e temperatura, como consequência das mudanças climáticas:
- 1,5 °C: a área de mosquitos se expande até 20% nas áreas áridas, 6% nas úmidas.
- 2 °C: o intervalo é de até 30% em áreas áridas, 10% em áreas úmidas.
Ainda temos a possibilidade de limitar o aumento da temperatura média global a 1,5 °C. Nas palavras do secretário-geral das Nações Unidas, António Gutérres, “a inação climática é inaceitável”.