Do frio extremo ao calor em nível global: como um agrônomo brasileiro desvenda segredos do gelo antártico

O agrônomo brasileiro Marcio Francelino, da UFV, lidera pesquisas na Antártida instalando sensores no permafrost. Seu trabalho revela como o solo congelado reage às mudanças climáticas e ajuda a prever os desafios do aquecimento global.

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Pesquisadores enfrentam o frio extremo da Antártida para instalar sensores no solo congelado e entender o ritmo das mudanças climáticas.

A Antártida, um continente isolado, gelado e de condições extremas, é hoje um campo de pesquisa essencial para entender as mudanças climáticas. No meio desse cenário branco e inóspito, o agrônomo brasileiro Marcio R. Francelino, professor da Universidade Federal de Viçosa (UFV), realiza um trabalho fundamental: monitorar o permafrost — o solo congelado que pode indicar o ritmo do aquecimento global.

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A Antártida, um dos maiores laboratórios naturais do planeta, revela segredos sobre o aquecimento global.

Francelino, que já acumula 17 expedições à Antártida desde 2003, desafia o estereótipo de sua profissão ao liderar pesquisas de ponta no gelo. Ele coordena uma rede brasileira de sensores, com mais de 30 pontos de monitoramento que enviam informações quase em tempo real ao Brasil. Esses dados ajudam a mapear as mudanças na temperatura do solo congelado, um dos principais indicadores das transformações climáticas que o planeta está enfrentando.

O solo congelado que guarda segredos do clima

O permafrost, encontrado em regiões extremamente frias, armazena gases como o dióxido de carbono (CO₂). Com o derretimento acelerado do gelo devido ao aquecimento global, esses gases podem ser liberados, intensificando ainda mais as mudanças climáticas. Para entender esse processo, a equipe brasileira perfura o solo congelado em profundidades de até dois metros e instala sensores que medem a temperatura, a umidade e os níveis de CO₂.

Esses dispositivos, alimentados por placas solares, são programados para coletar informações por até dez anos.

Na mais recente expedição, Francelino e sua equipe expandiram a rede para uma área próxima à estação científica indiana Maitri, uma região ainda pouco explorada. A instalação dos sensores exigiu um esforço físico e logístico intenso, com caminhadas longas em meio ao frio extremo e horas de perfuração em um solo tão rígido quanto pedra.

Um pedaço da Antártida em Minas Gerais

Embora a Antártida pareça um mundo distante, as amostras coletadas pelo pesquisador têm um endereço curioso: Viçosa, em Minas Gerais. A cidade abriga o maior banco de solos antárticos do mundo, um acervo que serve como base para estudos detalhados sobre o comportamento do permafrost em resposta às mudanças climáticas.

Com dados coletados desde 2008, a pesquisa já revelou que algumas áreas da Península Antártica, como as ilhas Vega e Marambio, estão aquecendo mais rapidamente que outras regiões. Essas descobertas são cruciais para prever como o derretimento do gelo pode impactar o equilíbrio climático global.

Ciência, desafios e o futuro do planeta

Trabalhar na Antártida é um desafio diário. Além das temperaturas abaixo de zero, o tempo é imprevisível, com ventos fortes, neve constante e janelas curtas de boas condições climáticas.

A logística é complexa: perfurar o solo congelado exige horas de trabalho pesado, em um ambiente onde tudo, até montar um simples equipamento, pode se transformar em uma operação delicada.

Cada sensor instalado é uma aposta precisa, porque uma falha mínima pode comprometer anos de coleta de dados valiosos.

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Em meio a ventos extremos e neve constante, cada sensor é crucial para entender as mudanças climáticas do planeta.

Com uma rede de monitoramento robusta, instalada em condições extremas, e a dedicação incansável de cientistas como Marcio Francelino, a ciência brasileira prova mais uma vez sua importância. Os dados coletados na Antártida não beneficiam apenas os pesquisadores; eles fornecem informações que ajudam governos, instituições e a sociedade a se preparar para os desafios climáticos globais.

Francelino e sua equipe nos mostram que, mesmo no lugar mais remoto do planeta, a ciência tem o poder de fazer a diferença. Cada sensor instalado no gelo é mais que um equipamento: é um passo em direção a um futuro mais consciente e resiliente para toda a humanidade.