El Niño pode trazer colapso na produção de castanha-do-pará

O El Niño estava sendo muito aguardado em algumas áreas do Brasil por ser responsável pelo aumento das chuvas, mas em outras, o fenômeno gera estiagem e calor excessivo, o que pode ser prejudicial para a produção de alimentos.

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Super El Niño pode gerar novo colapso na produção de castanha-do-pará, entenda os motivos e saiba o que esperar para a próxima safra.

O El Niño voltou a ser destaque no Brasil e no mundo após três anos consecutivos de La Niña. O fenômeno, inclusive, foi muito aguardado em áreas que passaram pela irregularidade das chuvas como no Sul do país que acaba sendo beneficiado pelo aumento da freqüência e intensidade das precipitações, isso pensando principalmente em um dos setores mais importantes, o agro brasileiro.

A falta de chuvas regulares nos últimos anos gerou quebra de safras e a expectativa para a próxima safra de verão é bem diferente. No entanto, o El Niño tem o poder de provocar mudanças climáticas não só no Sul, mas outras regiões também podem ser afetadas e não de forma positiva. Enquanto a chuva ganha intensidade no Sul, a falta dela gera preocupação na produção agrícola em partes do Nordeste e do Norte.

Fenômeno El Niño pode mudar completamente o cenário de produtividade da próxima safra de verão no Brasil ao gerar mais chuva no Sul e seca no MATOPIBA, além de muito calor no Sudeste e Centro-Oeste.

A grande especulação é quanto à intensidade do fenômeno, que muitas vezes surpreende com o passar do tempo. Antes mesmo do fenômeno se formar em 2023, simulações já apostavam em um talvez super El Niño, o que aumenta ainda mais os riscos, como o que aconteceu entre 2015 e 2016 com a instalação do fenômeno mais forte dos últimos 50 anos. Com a intensidade do El Niño, um colapso foi gerado na produção de castanha-do-pará, algo que pode se repetir na safra atual.

O super El Niño vai acontecer?

O fenômeno já se instalou, isso é fato e atualmente as anomalias de temperatura das águas superficiais do Pacífico Equatorial estão em torno de 3.4°C na área de Niño 1+2 (Pacífico Leste) e de 1.1°C na área de Nino 3.4 (Pacífico Central) segundo informações da NOAA. A tendência é de manutenção do aquecimento anômalo do oceano no decorrer dos próximos trimestres, em que o pico de aquecimento será mantido até o verão 2023/24 e depois disso, o El Niño tende a perder intensidade, diminuindo assim, para cerca de 80% a chance de se manter durante o próximo inverno.

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Atualização do IRI aponta para continuidade do fenômeno El Niño nos próximos trimestres. Fenômeno pode provocar mudanças no padrão de chuvas para a próxima safra de verão no Brasil. Fonte: IRI Columbia

Por ora, o fato de um fenômeno de forte intensidade ainda nos próximos meses mantém a preocupação de produtores e pesquisadores que acompanharam o colapso que o último El Niño gerou na produção de um dos principais produtos da bioeconomia da Amazônia, a castanha-do-pará. Nos anos de 2015 e 2016 houve o forte fenômeno que gerou uma queda de 37% da produção do fruto na safra seguinte, em 2017.

Esses dados foram levantados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em cima das condições da Amazônia brasileira, mas a estiagem e o aumento das temperaturas provocados pelo El Niño naquele ano, também afetaram a produção em outros países que tem partes da Amazônia como Bolívia e Peru. O declínio de produção foi tão expressivo que gerou uma explosão nos preços no mercado e onde ainda havia o fruto, muitos produtores enfrentaram o roubo.

Colapso na castanha-do-pará

A reserva extrativista do Rio Cajari, no sul do Amapá, possui os maiores castanhais conhecidos e monitorados da região produtora. Um grupo de cientistas observou a dinâmica do local que sofreu fortes impactos com a atuação do El Niño nos anos de 2015 e 2016.

Uma investigação foi feita por um grupo de pesquisadores coordenados por Marcelinho Guedes, engenheiro florestal da Embrapa-AP, que utilizaram dados meteorológicos registrados entre 2007 a 2018, para ver se o colapso do fruto em 2017 realmente tinha a ver com o forte El Niño nos anos anteriores. Logo, o grupo percebeu que as variações anuais de temperatura e precipitação afetavam a frutificação no ano seguinte, mas isso foi diretamente afetado com a chegada do El Niño que levou as perdas de produtividade para outro patamar.

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Super El Niño de 2015/26 provocou colapso na produção de castanha-do-pará e produtores temem que isso se repita na próxima safra com o retorno do El Niño em 2023.

Guedes lembra que em Macapá não choveu por mais de 100 dias consecutivos naquele ano e que o super El Niño provocou um aumento de 2°C na temperatura máxima das áreas analisadas. Disse também que o veranico que geralmente acontecia na região entre setembro e novembro, se estendeu e durou 6 meses em 2015.

Segundo o pesquisador, a combinação do baixo volume de chuva e o aumento da temperatura provocou uma queda na produção da castanha-do-pará na safra seguinte, visto que o processo de maturação dos frutos dura cerca de 15 meses. Na Reserva do Cajari, por exemplo, a produção de 2017 foi 8 vezes menor que em 2015 e duas vezes menor que a média geral. Tais resultados foram publicados no ano passado na revista Acta Amazônica, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa).

Como é gerado o impacto pelo El Niño?

Com o maior predomínio do sol e das altas temperaturas, a castanheira sofre com estresse hídrico e insolação, principalmente por se tratar de uma árvore de grande porte com copas atingindo alturas mais elevadas que o dossel da floresta. A falta de chuva provoca a chamada seca fisiológica que é quando as raízes não conseguem absorver a água do solo e transportá-la para as copas, foi isso que causou a seca das polpas das castanheiras.

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A castanheira é uma árvore de grande porte e pode sofrer de insolação, além de ter mais dificuldade de levar água das raízes para a copa.

O registro de recordes de calor no planeta e a elevação da temperatura dos oceanos, aumentaram as preocupações quanto a produção na próxima safra na região. Comunidades amazônicas dependem da coleta das castanhas para o sustento. Para Guedes, o cenário não é nada animador com a atuação do El Niño que chegou a marcar os 3.4°C de anomalia de temperatura no Pacífico Leste.

A escassez dos frutos no ano de 2017 fez disparar o preço do produto final, o valor da lata padrão de 11 quilos de castanha saltou de R$ 50 para R$ 120 no ano seguinte, alcançando uma faixa de até R$ 200 na região nordeste do bioma, segundo dados da Embrapa. Além do preço absurdo, o problema aumentou quando a supervalorização das castanhas gerou crimes por roubos dentro da reserva. Em 2017, mesmo os castanheiros que sempre respeitaram os limites de coleta, ultrapassaram os limiares, e até garimpeiros saíram do garimpo para ir atrás de castanhas-do-pará.

Se o planeta continuar aquecendo, independente de anos de El Niño ou La Niña, vai ficar cada vez mais insustentável manter a produção agrícola no Brasil e no mundo dentro de seus padrões. O ciclo das culturas pode ser alterado e as janelas consideradas ideais para cultivo podem ficar cada vez menores. Não é somente a castanha-do-pará que corre riscos de colapso, mas todo o agronegócio e consequentemente, toda a alimentação mundial. Por isso, mais uma vez é importante bater na tecla da necessidade das políticas públicas e adaptação às mudanças climáticas.