Furacão no Mediterrâneo: quando ocorrerá novamente?

O Boletim da Associação Americana de Meteorologia (BAMS, em inglês) confirmou, pela primeira vez na literatura científica, a formação de um furacão no Mar Mediterrâneo: o ciclone Lanos, em setembro de 2020.

Medicane Ianos
O já considerado "furacão" Lanos no sudoeste da Grécia em 17 de setembro de 2020 (Terra-MODIS).

Os furacões, também chamados de ciclones tropicais, são os fenômenos atmosféricos mais devastadores em nossa natureza. Formam-se principalmente nos oceanos tropicais, próximo à linha do equador, onde as águas são mais quentes e fornecem a energia necessária para tais sistemas se desenvolverem. Apesar de enfraquecerem ao tocar o solo, por não continuarem a "se alimentar” da energia do oceano, geram ventos muito intensos, chuvas torrenciais, marés ciclônicas e inundações costeiras muito destrutivas. Como resultado de seus graves danos e no interesse da segurança pública, os sistemas foram denominados com nomes próprios a partir de 1953, pela Organização Meteorológica Mundial (OMM).

Nos últimos 50 anos, os furacões fizeram 779.324 vítimas e causaram perdas econômicas estimadas em 1.407.600 milhões de dólares.

Portanto, se os furacões se formam sobre as águas tropicais e perto do equador, como é possível sua existência no Mediterrâneo? Esses fenômenos meteorológicos, que possuem certas semelhanças com os ciclones tropicais, são possíveis no Mar Mediterrâneo, mas nomeá-los, em particular, tem sido objeto de debate na comunidade científica nos últimos anos. Esse debate, previsto por muitos, se encerra após o último relatório do BAMS, no qual, oficialmente os ciclones do Mediterrâneo podem ser furacões mesmo que não se formem sobre as águas tropicais e nem próximos ao equador.

O que são os "medicanes"?

Os ciclones com características tropicais formados no Mediterrâneo também são conhecidos como "medicanes" (mediterranean hurricane, no termo em inglês). Este fenômeno meteorológico ocorre com pouca frequência no Mar Mediterrâneo, mas, durante os últimos anos e possivelmente como consequência da mudança climática, ele aumentou consideravelmente.

"Medicane" entre Túnez e Sicilia (2014). Satélite Aqua- NASA.

Para que este tipo de ciclone se desenvolva, é necessário principalmente: um mar quente, baixo cisalhamento do vento e um ambiente relativamente úmido. Embora o Mar Mediterrâneo não reúna as condições estritamente necessárias à formação deste tipo de sistema meteorológico, em certas épocas do ano podem desenvolver-se ciclones híbridos, entre ciclones tropicais e os subtropicais.

Estes sistemas no Mediterrâneo são formados como resultado de tempestades de latitudes médias. Este processo pode levar à formação de uma bolsa de ar frio em altitude e de uma baixa pressão em superfície que, sobre as águas quentes do Mediterrâneo, às vezes forma ciclones intensos com características semelhantes aos ciclones tropicais.

Apesar deste tipo de formação ser pouco frequente, entre os anos de 2016 e 2020 formaram-se quatro grandes "medicanes", sendo o caso mais recente e destrutivo o "medicane" Lanos, agora considerado como furacão.

Lanos, o primeiro "medicane" considerado oficialmente como furacão

O ciclone Lanos se aprofundou entre 15 e 21 de setembro de 2020, sobre as águas quentes do Mar Mediterrâneo. Neste caso, havia um fraco bolsão de ar frio em altitude e uma baixa orográfica em superfície. Ambas as condições, juntamente com as altas temperaturas da superfície do mar Mediterrâneo, em torno de 27ºC e 28ºC, levaram à formação de um ciclone com características tropicais.

Lanos possuía convecção profunda com 'olho' bem formado e ventos intensos persistentes, com intensidade máxima de 120 km/h (categoria 1 na escala de furacões Saffir Simpson), ao mesmo tempo em que estabeleceu recordes históricos no acúmulo de chuvas. Lanos foi um dos "medicanes" mais fortes observados no Mediterrâneo pelo menos nos últimos 25 anos. E, finalmente, foi considerado um furacão.

Lanos afetou principalmente a Grécia, causando quatro mortes e danos devastadores a edifícios e infraestruturas, como resultado das inundações e deslizamentos de terra.

O prognóstico

Embora os "medicanes" sejam um fenômeno raro, os cientistas alertam que, com um clima mais quente e temperaturas superficiais mais altas, a intensidade e a frequência deste fenômeno terão uma tendência crescente no futuro próximo.

Além disso, a nomeação de 'furacão' a um "medicane" no Mediterrâneo pelo BAMS, coloca este mar no centro das atenções de toda a comunidade científica, já que é a primeira vez na história que isso ocorre. Isso implicará necessariamente em um enriquecimento do conhecimento e a uma melhora na compreensão da formação e da evolução dos "medicanes", bem como benefícios científicos, devem ser utilizados para melhorar os seus prognósticos e seus impactos nas populações.