La Niña mais tardia da história divide a comunidade científica sobre sua consolidação. A especialista Ana Maria explica
Embora o Centro de Previsão Climática da NOOA tenha declarado oficialmente o retorno das condições de La Niña, a falta da persistência das condições de temperatura do oceano Pacífico causam divergência na comunidade científica.
Embora as primeiras projeções indicando a possibilidade de um evento de La Niña tenham surgido no início de 2024, sua oficialização ocorreu apenas em 9 de janeiro de 2025. A declaração foi feita pelo Centro de Previsão Climática (CPC) da NOAA, agência governamental dos Estados Unidos responsável pelo monitoramento dos oceanos e da atmosfera. Curiosamente, o relatório mensal publicado apenas três dias antes ainda mantinha o status de "La Niña Watch", sinalizando apenas a expectativa de condições favoráveis ao fenômeno nos seis meses seguintes.
Até hoje, nunca na história um evento de La Niña foi declarado tão tardiamente. O trimestre mais tardio registrado anteriormente foi outubro-novembro-dezembro, durante o evento de 2005-2006.
O limiar de anomalia de temperatura da superfície do mar (TSM) necessário para caracterizar La Niña (abaixo de -0,5°C) foi alcançado em dezembro, com -0,6°C na região de monitoramento do fenômeno, denominada “Niño 3.4”. Isso fica evidente no gráfico abaixo, que mostra a evolução mensal da TSM nesta região desde janeiro de 2024.
Essas anomalias têm se mantido abaixo de -0,5°C em janeiro e isso parece ter deixado os cientistas do CPC-NOAA mais confiantes nas previsões dos modelos para os próximos meses, motivando o aviso de La Niña atual. A seguir, exploraremos os critérios utilizados pelo CPC-NOAA para essa declaração e os pontos de discordância dentro da comunidade científica.
O que diz o último comunicado do CPC-NOAA
O CPC-NOAA declarou que as condições de La Niña estão presentes e que há 59% de chance de persistência. Na última semana, o índice Niño-3.4 registrou -0,7°C (destacado no retângulo vermelho da imagem abaixo), e o Niño-4, -0,6°C, enquanto as regiões Niño 4 e Niño 1+2 se mantiveram neutras.
A ‘bolha fria’ de água abaixo da superfície (subsuperficial) do oceano se fortaleceu, enquanto os ventos e padrões de convecção indicaram um sistema oceano-atmosfera acoplado típico de La Niña. A atmosfera já vinha respondendo ao resfriamento das águas mesmo antes da TSM alcançar o valor limite.
Modelos dinâmicos (figura abaixo, à esquerda) projetam uma La Niña fraca persistindo até fevereiro-abril de 2025 (59% de chance), com transição para ENSO-neutro entre março e maio de 2025 (60% de chance, indicado no gráfico de probabilidade abaixo, à direita).
Apesar disso, o estabelecimento dos fenômenos La Niña e El Niño depende, dentre outras coisas, da persistência das anomalias de TSM dentro dos limites por um período bem mais longo que 1 mês e meio - quadro atual.
“La Niña está entre nós”: declaração da NOAA é fundamentada na expectativa de persistência do primeiro mês com TSM dentro do limiar
Os critérios do CPC-NOAA para a identificação de um evento de La Niña incluem uma combinação de critérios oceânicos e atmoféricos:
- TSM na região Niño-3.4 deve ser pelo menos 0,5°C mais fria que a média no mês anterior;
- A anomalia de TSM de -0,5°C ou menor deve persistir ou ser projetada para persistir por vários períodos de 3 meses consecutivos sobrepostos, por exemplo: dezembro-janeiro-fevereiro, janeiro-fevereiro-março e março-abril-maio.
- Os ventos alísios do leste no Pacífico tropical devem estar mais intensos que o normal;
- A região da Indonésia deve experimentar um aumento significativo na cobertura de nuvens e nas chuvas, junto com uma queda na pressão atmosférica média na superfície, enquanto o leste do Pacífico tropical deve apresentar uma redução significativa na cobertura de nuvens e na precipitação, junto com um aumento na pressão atmosférica média.
Porém, o sistema de alerta de eventos La Niña e El Niño é baseado não apenas na análise de dados de temperatura e pressão e no acoplamento entre oceano e atmosfera, mas também na modelagem e previsão climática para avaliar a persistência das condições descritas - e este é um dos pontos-chave das discordâncias, como veremos a seguir. O fluxograma abaixo resume o processo utilizado pelo CPC-NOAA.
Este fluxograma nos diz que se há condições de anomalia mensal de TSM abaixo de 0,5°C, a próxima pergunta a ser feita é se há perspectiva dessas anomalias persistirem nas próximas estações. Caso a resposta seja sim, passa-se para a avaliação da atmosfera onde precisa ser verificado se existem indicativos do fortalecimento da circulação de Walker (como supressão da chuva no pacífico central e mais chuva sobre a Indonésia), para caracterizar La Niña. No cenário atual, a atmosfera já vem respondendo ao resfriamento das águas do Pacífico há antes mesmo do limiar de TSM ser alcançado.
Cientistas discordam: não há persistência suficiente e as previsões dos modelos mudaram muito no último ano
A anomalia de TSM observada em dezembro, combinada com sua persistência nas primeiras semanas de janeiro e a confiança na previsão dos modelos que indicam a manutenção dessas anomalias nos próximos meses, foi o que levou a NOAA a declarar oficialmente a presença do fenômeno.
Porém, é importante ressaltar que as previsões de La Niña dos modelos já mudaram muito desde sua primeira menção, no início de 2024. Naquela época, as previsões indicavam que haveria um rápido resfriamento do oceano, falava-se numa La Niña precoce e até de intensidade forte. Em março de 2024, por exemplo, havia praticamente a mesma probabilidade atual (aproximadamente 60%) de chance de La Niña se desenvolver entre julho e agosto, o que não se concretizou, como pode ser visto na imagem abaixo. Ao longo do ano, os modelos foram projetando um resfriamento cada vez mais moderado e alguns deles até deixaram de prever o fenômeno.
Afinal, será que as condições atuais e a confiança dos cientistas nos modelos é suficiente para declarar La Niña? O Serviço Meteorológico Australiano (BOM), por exemplo, acredita que não. No seu último comunicado, em 8 de janeiro, eles declararam neutralidade. Apesar de reconhecer que vários indicadores alcançaram os parâmetros para La Niña recentemente, esses sinais não se mantiveram pelo tempo ou com a intensidade suficiente para serem oficialmente reconhecidos como o fenômeno. No entanto, o BOM não descarta que o fenômeno ainda se estabeleça, mesmo que de forma ineditamente tardia.
O desafio das mudanças climáticas para os modelos meteorológicos
O ano de 2024 destacou-se como o mais quente já registrado, com oceanos e continentes quebrando recordes de aquecimento em grande parte do globo. Esse cenário provavelmente interferiu no desenvolvimento da La Niña, levantando questionamentos sobre a capacidade dos modelos climáticos de acompanhar um clima em rápida transformação.
Essa situação coloca em evidência uma questão crítica: quanto tempo levarão os modelos de confiança para assimilar plenamente as mudanças climáticas em curso e ajustar suas previsões de forma mais precisa?
Continue acompanhando as atualizações da La Niña com o time de especialistas da Meteored | Tempo.com e fique por dentro das novidades.
Referências da notícia
ENSO - Discussão diagnóstica. CPC-NCEP-NOAA. 9 de janeiro de 2025.
Atualização de janeiro de 2025: La Niña está aqui. Emily Becker - Blog ENSO. 9 de janeiro de 2025.
Os oceanos globais continuam mais quentes que a média. A Oscilação Sul-El Niño permanece neutra. Bureau of Meteorology. 8 de janeiro de 2025.