Mais quente e mais seco: o Brasil está na mira das 'megassecas' cada vez mais frequentes, segundo recente estudo
Pesquisadores identificaram cerca de 13.000 secas que duraram mais de dois anos entre 1980 e 2018 e afetam uma área crescente de terras em todo o mundo.
As “megassecas” são eventos de seca que se estendem por vários anos consecutivos, provocando graves impactos no meio ambiente e nas populações humanas. Essas secas multianuais estão se tornando mais frequentes e intensas devido às mudanças climáticas globais.
Além disso, esses eventos prolongados estão tornando o solo mais seco, o ar mais quente e reduzindo a vitalidade da vegetação. A pesquisa reforça a urgência de medidas de mitigação e adaptação para lidar com esses desafios crescentes.
Como as megassecas são identificadas?
No estudo, o SPEI (Índice de Precipitação e Evapotranspiração Padronizado) foi usado para identificar e quantificar as secas, incluindo as megassecas, ao medir as variações na quantidade de precipitação e evapotranspiração (evaporação das superfícies somado à transpiração das plantas) em um determinado período.
Calculado com base na diferença entre a precipitação observada e a evapotranspiração potencial (uma medida de quanto vapor de água seria liberado do solo e vegetação para a atmosfera em condições ideais de umidade do solo), a anomalia negativa do SPEI indica déficits de precipitação, ou seja, períodos mais secos do que o normal.
Para definir as megassecas, o estudo utilizou eventos com anomalias negativas significativas no SPEI, durando pelo menos dois anos consecutivos, resultando na identificação de 13.176 megassecas.
Duas entre as dez megassecas mais severas ocorreram no Brasil
A severidade das megassecas foi determinada pela combinação da área afetada e da intensidade das anomalias no SPEI, considerando critérios como duração, extensão territorial, e desvios de temperatura e precipitação ao longo do tempo.
A imagem abaixo, extraída do estudo, ilustra a localização dos 10 eventos mais severos de megassecas no mundo, destacando a duração (representada pela escala de cores) e o período de ocorrência. O evento mais severo ocorreu nos Estados Unidos, entre 2008 e 2014. Na bacia Congo oriental, na África, ocorreu a megasseca mais longa, durando quase uma década, entre 2010 e 2018, ocupando a 4ª posição na lista de severidade. Já na América do Sul, destacam-se a 7ª e 9ª posições de megassecas mais severas como os eventos sudoeste da Amazônia e na região Sudeste do Brasil.
A megasseca no sudoeste da Amazônia foi a segunda mais longa do conjunto analisado, ela ocorreu entre 2010 e 2018, durando quase nove anos. Seu pico de área afetada ocorreu em 2015, período que se sobrepõe à segunda megasseca mais severa da América do Sul: na região Sudeste do Brasil, entre 2014 e 2017. Essa foi a pior seca da cidade de São Paulo, onde o reservatório da Cantareira alcançou o chamado ‘volume morto’ - um volume de reserva abaixo das comportas da represa.
A análise mostrou que o déficit de precipitação foi o principal impulsionador das megassecas, mas o aumento na evapotranspiração potencial também teve um papel importante, especialmente nas regiões tropicais.
Impactos na vegetação
O estudo também utilizou dados de satélite para estimar os impactos destes eventos na cobertura vegetal - as megassecas ecológicas. As anomalias do índice de vegetação (kNDVI) identificadas através dos dados de satélite refletem a saúde da vegetação durante esses eventos extremos. Este é um indicador importante de como os ecossistemas reagem à escassez de água e à falta de precipitação prolongada.
As megassecas ecológicas não se limitam apenas aos aspectos meteorológicos e climáticos das megassecas, mas que também afetam de maneira significativa a vegetação e os ecossistemas.
A análise mostra que eventos severos de megassecas ecológicas afetaram principalmente as pastagens temperadas, indicando uma grande perda de vegetação. Estes ecossistemas são formados principalmente por gramíneas e plantas herbáceas, encontradas em regiões de clima temperado, com verões quentes e invernos frios, sendo consideradas essenciais para a agricultura, especialmente para a criação de gado.
Reação em cadeia
A crescente frequência e intensidade das megassecas, impulsionadas pelas mudanças climáticas, desencadeiam uma reação em cadeia de impactos ecológicos, econômicos e sociais. As secas prolongadas não apenas afetam a vegetação, mas também têm consequências diretas sobre a qualidade do solo, a agricultura e os recursos hídricos, fundamentais para a segurança alimentar e o abastecimento de água.
No Brasil, por exemplo, eventos como a seca no sudoeste da Amazônia e a crise hídrica no Sudeste, que afetaram a principal fonte de água de São Paulo, evidenciam a vulnerabilidade do país a esses fenômenos, afetando diretamente a vida urbana e rural.
O impacto econômico é significativo, com perdas em produtividade agrícola, aumento dos custos com abastecimento de água e custos de saúde devido ao estresse hídrico e a propagação de doenças. No cenário global, a maior intensidade das megassecas implica a necessidade urgente de adaptar políticas públicas, como a gestão de recursos hídricos, e ações de mitigação, a fim de reduzir os danos causados por esses eventos extremos.
A adaptação às mudanças climáticas é agora uma questão não apenas ambiental, mas também de saúde pública e estabilidade econômica, requerendo uma ação coordenada entre governos, empresas e sociedade para fortalecer a resiliência das populações frente aos impactos das megassecas.
Referência da notícia
Global increase in the occurrence and impact of multiyear droughts, Chen et al. (2025), Science.