Mesmo com o La Niña, por que está chovendo tanto no centro-sul do Brasil

O La Niña está presente desde o segundo semestre de 2021 e foi responsável por um período muito irregular até fevereiro de 2022. Mesmo com a sua presença desde março, somente julho apresentou chuvas abaixo da média. Qual a razão disso? Explicamos aqui.

chuvas Região Sul
Chuvas frequentes e intensas estão sendo destaque no centro-sul do país, principalmente na Região Sul. Qual a razão deste padrão incomum sob La Niña?

O La Niña está presente desde outubro de 2021, sendo 2022 o terceiro ano consecutivo, com a primavera de 2020 até o outono de 2021 também sob influência do fenômeno. O padrão climático médio esperado em anos de La Niña é a irregularidade da precipitação no centro-sul do país, principalmente na Região Sul.

No entanto, desde março deste ano episódios volumosos e até mesmo consecutivos foram registrados na Região Sul, resultando na percepção de muitos que o fenômeno La Niña não está presente. Salvo engano! O fenômeno está presente sim, porém existem outros fatores climáticos que influenciam o clima no Brasil e estão fazendo a diferença neste ano, como a Oscilação de Madden-Julian (MJO) e a Oscilação Antártica (AAO).

La Niña.
Anomalia da temperatura da região do Niño3.4, porção equatorial do Oceano Pacífico usada para determinação dos fenômenos La NIña e El Niño.

Aqui vamos dar destaque à AAO, uma vez que a frequência dos sistema transientes que provocam precipitação, como frentes frias, cavados, baixas pressões e ciclones, está mais associada a esta oscilação.

A Oscilação Antártica (AAO) ou Modo Anular Sul (SAM)

A AAO é um importante fator climático que influencia os padrões no Hemisfério Sul e está relacionado com as mudanças na posição das Correntes de Jato em Altos Níveis e, consequentemente, na passagem de sistema frontais, ciclones e anticiclones, sendo este último correspondente as massas de ar frio.

Vórtice Polar: uma extensa circulação ciclônica centrada no Polo Sul que pode atingir velocidades na ordem de 400 km/h na baixa estratosfera.

Além disso, a AAO passa uma ideia de como está a intensidade do Vórtice Polar sobre a Antártica. Quando o índice se encontra negativo há uma condição relativamente mais aquecida na coluna atmosférico que enfraquece a rotação do Vórtice Polar, proporcionando um maior afastamento dos sistemas transientes da Antártica, ou seja, os sistemas frontais e massas de ar frio se deslocam para norte, atuando mais sobre o centro-sul do Brasil.

Concomitante à esse deslocamento mais para norte, em virtude do maior contraste térmico proporcionado pelo avanço de massa de ar mais frias, as Correntes de Jato em Altos Níveis apresentam uma ondulação mais acentuada com cristas e cavados, o que denominamos de uma configuração meridional (sul-norte).

No caso contrário, quando a AAO se encontra positiva, há um resfriamento da coluna atmosférica e uma intensificação da rotação do Vórtice Polar, que acaba por atrair os sistemas transientes mais próximos da Antártica, estabelecendo à passagem desses mesmos mais ao sul do centro-sul do Brasil.

Os efeitos em relação ao Vórtice Polar são mais perceptíveis durante o inverno, mas nas estações outono e primavera, quando há uma condição ainda mais fria atmosférica, há ainda muita influência deste sistema.

Assim, por haver menor contraste térmico, as Correntes de Jato não apresentam tanta ondulação, apresentando um padrão mais retilíneo que denominamos de uma configuração zonal (oeste-leste).

Anomalias de precipitação e o comportamento da AAO

A partir do mês de março de 2022 o padrão começou a mudar para o centro-sul do país, com eventos de precipitação intensos e até mesmo consecutivos, que proporcionaram acumulados acima da média climatológica na Região Sul e nos estados do Mato Grosso do Sul e de São Paulo até mesmo em pleno período seco.

Esta condição está associada aos períodos em que a AAO apresentou índice negativo. O gráfico apresenta o histórico a partir da segunda quinzena de abril, mas mesmo assim, podemos traçar uma boa correlação.

anomalias de precipitação
Anomalias de precipitação produzidas através dos registros das estações do INMET.

No final de abril a AAO apresentou uma tendência e valores negativos que proporcionaram chuvas expressivas no final do mês e no início de maio, que posteriormente vivenciou uma irregularidade da precipitação, cujo padrão mais seco foi quebrado entre o fim do mês e o início de junho através de chuvas intensas e da primeira onda de frio do ano, que representou o início do inverno com ocorrência de neve na Região Sul, geadas até no Centro-Oeste e fenômenos invernais raros no Rio de Janeiro.

Em seguida, em meados de junho, outra forte tendência negativa proporcionou mais precipitação e mais frio.

oscilação antártica; modo anular sul
Condição registrada (linha preta cheia) e previsão (linhas vermelhas) da AAO.)

As anomalias de precipitação de julho apresentam um padrão mais seco, com acumulados acima da média apenas para a metade sul do Rio Grande do Sul, e mesmo assim, com anomalias não muito expressivas. Essa condição mais seca está associada ao predomínio da AAO positiva ao longo do mês.

Agora em agosto, as chuvas já superaram em muito a média climatológica, uma vez que os eventos expressivos de precipitação estão associados aos dois períodos negativos da AAO, que deve atuar com índice positivo e proporcionar um período mais seco ou irregular de precipitação até pelo menos o fim do mês.