Recordes de aquecimento global aceleram a corrida contra o relógio do Acordo de Paris

Frequência alarmante de recordes de aquecimento global acima de 1,5ºC coloca o planeta cada vez mais próximo do ponto de não retorno.

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Sequência de recordes de aquecimento da temperatura global acima de 1,5ºC colocam o Acordo de Paris em cheque. Fonte: Domínio público.

O Serviço de Mudanças Climáticas Copernicus, uma iniciativa do Centro Europeu para as Previsões Meteorológicas a Médio Prazo (ECMWF) que fornece dados e informações sobre o clima para apoiar políticas e decisões em nível global, divulgou recentemente que, ao longo de 2024, nove dos primeiros dez meses e quinze dos últimos dezesseis meses apresentaram temperaturas médias globais da superfície do ar superiores a 1,5°C, em comparação aos níveis pré-industriais (1850-1900). Este dado reflete uma tendência alarmante de aquecimento global, com implicações graves para as metas climáticas estabelecidas no Acordo de Paris.

Em Julho deste ano, o planeta alcançou um marco histórico preocupante: os primeiros 12 meses consecutivos em que a temperatura da superfície global ultrapassou de forma consistente 1,5°C em relação à média de 1850-1900, segundo os dados da ERA5, principal conjunto de dados do Copernicus.

O gráfico abaixo mostra a anomalia mensal da temperatura média global da superfície do ar (°C) em relação à média do período pré-industrial, de janeiro de 1940 a junho de 2024. As cores variam de azul, representando os anos 1940, a vermelho, representando anos 2020. Essa visualização evidencia como o período de julho de 2023 a junho de 2024 (linha vermelha espessa) se destaca completamente das outras curvas, indicando um aquecimento acelerado.

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Anomalia mensal da temperatura média global da superfície do ar (°C) em relação à média de 1850-1900, de janeiro de 1940 a junho de 2024. Fonte: Copernicus Climate Change Service - ECMWF.

O que é o Acordo de Paris e de onde vem os limiares 1,5ºC e 2,0ºC?

Firmado em 2015, o Acordo de Paris tem como objetivo central limitar o aumento da temperatura média global a bem abaixo de 2°C em relação aos níveis pré-industriais, com esforços significativos para restringir o aquecimento a 1,5°C até o final deste século. O tratado também busca aumentar a capacidade de adaptação dos países aos impactos das mudanças climáticas e promover fluxos financeiros para auxiliar na mitigação e adaptação.

O aquecimento global de 1,5°C acima dos níveis pré-industriais é considerado o ponto crítico além do qual as consequências das mudanças climáticas se tornam muito mais graves para os seres humanos e os ecossistemas. De acordo com o Relatório Especial do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) de 2018, os impactos de ultrapassar esse limiar incluem danos significativos à biodiversidade e à saúde humana, além de afetar negativamente os ecossistemas marinhos e as correntes oceânicas. O aquecimento de 2°C acarretaria perdas ainda maiores, com uma significativa redução nas áreas geográficas de sobrevivência de diversas espécies.

As recentes quebras de recordes do limiar de 1,5ºC indicam que estamos cada vez mais distantes de atingir essas metas, colocando em risco a viabilidade do Acordo de Paris e as promessas de contenção do aquecimento global.

Apesar do tratado não estabelecer explicitamente como será feito o reconhecimento formal de quando o limiar de 1,5ºC será considerado alcançado, a frequência de recordes de aquecimento é assustadora, disparando um alerta de corrida contra o tempo para frear o ritmo do aquecimento.

O ponto de não retorno

Um atraso no reconhecimento da quebra do Acordo de Paris, seja por diferentes estratégias metodológicas de cálculo ou por viés ideológico — como ocorre com muitos governantes negacionistas — compromete gravemente o combate às mudanças climáticas. Essa demora posterga decisões cruciais em todas as escalas, local, regional e global, expondo o mundo a riscos de impactos irreversíveis.

O ponto de não retorno é um conceito amplamente utilizado nas ciências climáticas. Refere-se a um limiar crítico em um sistema, após o qual uma pequena mudança pode levar a alterações significativas e muitas vezes irreversíveis.

É essencial destacar que muitos gases de efeito estufa possuem um tempo de vida extremamente longo na atmosfera, excedendo cem anos. Isso significa que os efeitos das emissões atuais continuarão a ser sentidos por gerações, mesmo que medidas drásticas sejam tomadas futuramente. Cada dia de inação nos aproxima dos cenários mais alarmantes previstos pelas projeções climáticas do IPCC, reforçando a urgência de agir antes que alcancemos o chamado ponto de não retorno.

No contexto do clima, isso ocorre quando o aquecimento global desencadeia mudanças abruptas nos sistemas da Terra, impossíveis de serem revertidas dentro de escalas de tempo humanas como, por exemplo, o degelo do Ártico, o desmatamento da floresta Amazônica e o colapso das correntes oceânicas.

Esses eventos são especialmente preocupantes porque, uma vez iniciados, tornam extremamente difícil — ou mesmo impossível — conter seus efeitos adversos, mesmo com ações humanas. É um alerta de que a ação imediata e coordenada é a única forma de evitar os cenários mais catastróficos e preservar um futuro habitável para as próximas gerações.