Somente obras não são suficientes: o risco de inundações também pode ser mitigado com planos, políticas e alerta precoce
Existem dois tipos de medidas que se complementam para mitigar os riscos e reduzir o impacto dos desastres: estruturais (obras de infraestrutura) e não estruturais (planos, políticas e alertas precoces).

O aumento das perdas materiais devido às inundações, apesar das medidas estruturais implementadas, é um lembrete constante de sua utilidade limitada. Na verdade, as defesas próximas ao canal são ineficazes na prevenção de grandes inundações e muitas vezes atrasam a drenagem da área que pretendem proteger.
A importância da gestão territorial
A dragagem ou "limpeza" de rios e córregos tem pouco efeito na altura atingida durante as enchentes, e isso contradiz a experiência e as evidências científicas. E a canalização é frequentemente uma maneira de transferir riscos de uma área a ser protegida para outra. E além de ineficazes, as medidas estruturais são muito custosas e muitas vezes causam sérios impactos ambientais.
Mas a má gestão do solo é a principal causa do aumento dos prejuízos por inundações urbanas, principalmente porque aumenta a área ocupada por superfícies impermeáveis, o que reduz a infiltração natural e aumenta o escoamento superficial. Como as cidades estão vivenciando cada vez mais uma densidade maior de edifícios e pessoas, os danos às pessoas e propriedades são cada vez maiores no caso de eventos semelhantes.
A essas razões, soma-se o aumento da ocupação de áreas inundáveis por populações de baixa renda, seja pela baixa valorização dessas terras, seja pela invasão de domínio público, seja porque o aumento da infraestrutura desorganiza o sistema de drenagem natural, obrigando as águas a alterarem seu curso e afetarem áreas até então livres de inundações.

As obras hidráulicas por si só não reduzem o risco de inundações. Em muitos casos de inundações urbanas, as redes de drenagem de águas pluviais são inadequadas devido aos efeitos da urbanização, juntamente com o aumento da frequência e intensidade das chuvas. Além disso, o escoamento superficial na via (contido pelo meio-fio e sarjeta) é alterado pela deterioração e modificações das ruas, aumentando o potencial de danos.
Portanto, elas devem ser complementadas por medidas não estruturais que apoiem o processo de construção da resiliência comunitária. Ambas as medidas são essenciais para reduzir o impacto humano e econômico dos desastres.
Um desastre é um castigo divino ou culpa nossa?
Atribuir um desastre à má sorte ou à ira de algum deus tem servido durante milênios para nos livrar da culpa pelos nossos próprios erros. Na verdade, a raiz etimológica de “desastre” vem da união de duas palavras latinas: “dis” (separado) e “astro” (estrela), significando que um desastre era um evento causado porque os astros não estavam do nosso lado.
No entanto, exonerar-nos da responsabilidade por um desastre e atribuí-lo ao acaso demonstra que não podemos controlar o incontrolável (natureza, perigos), mas também deixamos de agir sobre o que podemos controlar: o risco.
VIDEO: Unstable terrain leaves buildings under constant landslide threat in Bolivia.
— AFP News Agency (@AFP) January 22, 2025
Across Latin America, some urban residents live in homes on unstable terrain, where rainfall and river flooding threaten the structural integrity of buildings. Despite the risks due to the pic.twitter.com/kd3x4IpN10
Atualmente, 55% da população mundial vive em cidades e, até 2050, esse número aumentará para 68%. O planeta caminha para a urbanização do futuro, embora hoje 80% da população da América Latina viva em centros urbanos... e 87% no Brasil!
As cidades se concentram e aumentam os riscos. Não é em vão que a América Latina e o Caribe; depois da Ásia (com 53% da população urbana) e da África (45%), é uma das regiões mais expostas a desastres.
Medidas não estruturais
Medidas não estruturais são ações ou estratégias implementadas para mitigar riscos e reduzir o impacto desses eventos sem a necessidade de construir infraestrutura física. Essas ações complementam medidas estruturais (obras hidráulicas, abrigos, etc.) e são baseadas em políticas, educação, planejamento e outras estratégias que não envolvem obras de infraestrutura, mas sim focam na redução de riscos por meio de gestão, conscientização e preparação.
Multi-hazard early warning systems reduce flood risks and protect lives. @UNDRR, @IFRC, @WMO, @ITU are committed to ensuring #EarlyWarningsForAll.
— UNDRR (@UNDRR) March 16, 2025
Learn more ️ https://t.co/F1KPjfqO6B pic.twitter.com/n61DTOJeRo
- Educação e conscientização: Promover o conhecimento sobre riscos e ações preventivas, como ensinar a população a reagir a terremotos, inundações ou incêndios. Dessa forma, as pessoas podem tomar decisões informadas, sabendo “o que fazer”.
- Planejamento e regulamentação: Essas ações incluem políticas de uso do solo, como impedir que as pessoas construam em áreas de alto risco, limitar a concentração de casas ou pessoas por metro quadrado, manter uma proporção adequada de espaços verdes e implementar políticas de construção segura; ou promover o uso de Soluções Baseadas na Natureza, como telhados verdes, jardins urbanos, jardins de chuva, etc.
- Redução da vulnerabilidade: identificando áreas de alto risco e promovendo medidas para minimizar os perigos, como realocar comunidades expostas ou conservar ecossistemas que atuam como barreiras naturais.
Mark your calendars! World Meteorological Day (#WorldMetDay) is in less than two weeks!
— World Meteorological Organization (@WMO) March 14, 2025
The time to close the early warning gap is now. #EarlyWarningsForAll.
Join the movement: https://t.co/Q5azsd4yUp pic.twitter.com/vTjdwHnvXN
- Sistemas de alerta precoce e preparação da comunidade: Os sistemas de alerta precoce permitem que as comunidades se preparem, desenvolvam planos de evacuação, comuniquem riscos e, no caso de um evento grave, se abriguem ou evacuem em tempo hábil. Um sistema adequado de proteção civil é essencial, assim como a formação de brigadas de emergência e a implementação de protocolos de resposta a situações de crise. Tudo isso permitirá realizar avaliações e simulações de cenários de risco, estabelecendo um ciclo de melhoria contínua.
Embora medidas estruturais (como barreiras de água ou sistemas de drenagem) sejam frequentemente as primeiras defesas físicas contra a água, medidas não estruturais estão sempre em vigor, buscando reduzir impactos e proteger comunidades, concentrando-se na preparação, mitigação e adaptação antes que a ameaça (por exemplo, chuvas torrenciais) se materialize.
Medidas não estruturais são mais flexíveis, pois podem ser adaptadas a diferentes cenários climáticos. Elas são frequentemente mais rápidas de implementar e mais econômicas do que medidas estruturais, e promovem uma abordagem mais sustentável.
A combinação de ambas as estratégias é fundamental para uma gestão abrangente e eficaz do risco de inundações.