Tragédia aérea no Brasil: meteorologia, um dos fatores envolvidos como provável causa do desastre

Um biturboélice ATR-72 da empresa Voepass caiu perto de San Pablo. As hipóteses de acidente apontam as condições meteorológicas em voo, como causa primária e não única.

Acidente no Brasil
As autoridades brasileiras tentam esclarecer a causa do acidente aéreo ocorrido no estado de São Paulo, no qual morreram as 61 pessoas que viajavam a bordo do Voepass ATR 72.

Um dos primeiros conceitos que se adquire na formação em acidentalologia é que um acidente não ocorre por uma causa única.

Um acidente de avião é o resultado não intencional de uma cadeia de erros ou acontecimentos infelizes. Estas ações decorrem geralmente de falhas mecânicas, de fatores externos ou, como acontece maioritariamente por ser o último elo dessa cadeia, estão relacionadas com o fator humano, nomeadamente com a tomada de decisões em situações críticas. O fator humano acaba sempre sendo o que faz a diferença entre o sucesso e o desastre.

O pior acidente da história da aviação é um excelente exemplo de acidente em que pode ser identificada uma cadeia de eventos e erros que levaram ao acidente. Ocorreu em Tenerife, no dia 27 de março de 1977, devido a uma série de acontecimentos relacionados com problemas de comunicação, nevoeiro denso, congestionamento no aeródromo devido a ameaça de bomba e explosão noutro aeroporto, que se somaram ao erro cometido por um experiente piloto, contribuiu para esta catástrofe que custou 583 vidas.

E também uma decisão correta do piloto pode evitar uma tragédia, como aconteceu com o chamado “milagre no Hudson”, voo 1549 da US Airways. O profissionalismo tanto do piloto quanto do copiloto permitiu-lhes tomar as decisões corretas após as turbinas ingerirem aves, o que causou a perda de propulsão, alcançando uma “conquista heroica e única na história da aviação” ao pousar no rio Hudson e salvar as vidas dos 150 passageiros e 5 tripulantes.

Acidente Voepass 2283

A Voepass Linhas Aéreas é uma companhia aérea regional do Brasil, que opera principalmente com aeronaves ATR 72, aeronaves bimotoras especialmente projetadas para viagens regionais e viagens de curta duração construídas pelo consórcio franco-italiano ATR.

PS VPB
O ATR 72-500 da Voepass Linhas Aéreas, matrícula PS-VPB, envolvido no acidente de 9 de agosto de 2024, fotografado em novembro de 2023

Na sexta-feira, dia 8, um ATR-72-500 de 14 anos, matrícula PS-VPB, decolou do Aeroporto de Cascavel, no Paraná, às 14h58 UTC (11h58 horário local) com destino ao Aeroporto Internacional de São Paulo, Guarulhos, e às 15h22 UTC (24 minutos depois), a aeronave voava a altitude de cruzeiro de 17.000 pés (5.200 m). Às 16h21 UTC, quando os dados ADS-B (dados que indicam a posição da aeronave em todos os momentos) indicavam uma breve perda de altitude, seguida de um breve ganho de altitude, e depois uma descida íngreme e terminal. A maior taxa de descida relatada foi de 24.064 pés por minuto (7.498 m por minuto) às 16h22min08s UTC.

O tempo desde o início do problema até que o avião atingiu o chão foi de 89 segundos.

Não houve alarmes ou pedidos de ajuda dos pilotos.

Sessenta e uma pessoas perderam a vida no acidente, que caiu em uma área residencial próxima a Vinhedo, no estado de São Paulo, a 76 km da capital paulista.

Flight Radar
Os dados obtidos pelo Flight Radar mostram uma breve perda de altitude, seguida de um breve ganho de altitude, seguido de uma descida íngreme e terminal. O avião estava caindo a 420 km/h.

Esse foi o pior acidente aéreo do mundo desde janeiro de 2023, quando 72 pessoas morreram a bordo de um avião da Yeti Airlines no Nepal, que parou e caiu durante a aproximação para pousar. Essa aeronave também era um ATR 72, e a investigação oficial atribuiu o acidente a um erro do piloto.

O que sabemos até agora

Embora o avião tenha caído em uma área residencial, as autoridades locais informaram que não houve feridos no solo. Imediatamente o Centro de Pesquisa e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos do Brasil (CENIPA) iniciou tarefas de investigação e recuperou as caixas pretas do avião.

No momento do acidente, uma frente fria acompanhada de nebulosidade e precipitação estava sobre o estado de São Paulo, com temperaturas muito baixas em todo o Sul do Brasil. Os serviços de meteorologia da aviação, prestados pelo Gabinete Meteorológico da Força Aérea Brasileira (FAB), emitiram um relatório SIGMET de forte formação de gelo durante o voo em uma ampla região, onde a aeronave danificada voaria.

Embora a formação de gelo severo seja uma condição que pode afetar a segurança aérea e, de fato, tem sido responsável por numerosos acidentes de aviação, causando perda de sustentação e/ou leituras errôneas dos instrumentos. Portanto, as condições meteorológicas existentes no momento do acidente serão avaliadas com maior atenção.

gelo sigmet
SIGMET é uma mensagem especial para navegação aérea, e seu nome vem da sigla em inglês para SIGnificant METeorological Information (Informações Meteorológicas Significativas). Esse era o SIGMET vigente no momento do acidente, emitido pela Força Aérea Brasileira.

Atualmente, a grande maioria das aeronaves possui mecanismos antigelo, que podem prevenir ou mitigar a formação de gelo em voo. O ATR 72, um dos aviões biturboélice mais utilizados no mundo (mais de 1.000 aeronaves fabricadas), os possui.

Glacê em voo

Voar sob condições de gelo é um dos cenários mais graves que qualquer aeronave pode enfrentar, pois pode aumentar o seu peso, bloquear as suas partes móveis ou reduzir a sua sustentação. E isso não exclui voos em países tropicais, como é o caso do Brasil, pois dependerá do nível de voo da aeronave.

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No caso de aeronaves turboélice como o ATR, elas voam em altitudes onde as condições de gelo são mais prováveis. Mas os aviões a jato, que geralmente voam em altitudes mais elevadas, também podem sofrer os efeitos da formação de gelo.

Em 10 de outubro de 1997, o voo 2553 da Austral Líneas Aéreas sofreu um acidente devido a erro humano induzido pelo congelamento dos tubos Pitot, que são os sensores de velocidade dos aviões. Um erro de instrumento, a ausência de alarme recomendado e a falta de treinamento adequado foram os acontecimentos que levaram o piloto a tomar uma decisão que culminou no maior desastre aéreo ocorrido em território uruguaio, e no maior acidente aéreo argentino da história. aeronáutica.

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Em 1994, um ATR 72 operado pela American Eagle caiu em Indiana após perda total de controle, matando todas as 68 pessoas a bordo. Uma investigação federal culpou o fabricante por não ter fornecido informações suficientes sobre a vulnerabilidade do avião ao gelo. Como resultado, a ATR adicionou mais equipamentos de degelo à aeronave e estabeleceu procedimentos claros para evitar esses tipos de incidentes.

Esquema ATR72
Descrição do sistema básico de proteção antigelo do ATR 72-500, conforme indicado no manual “Operações em clima frio - Esteja preparado para formação de gelo” do consórcio fabricante do ATR.

Porém, em 2010, outro ATR 72, operado pela Aero Caribbean, caiu em Cuba pelo mesmo motivo: formação de gelo. E ambos foram, com 68 mortes, os piores acidentes sofridos por um ATR 72, até o acidente da Yeti Airlines em 2023.

Leituras erradas, travamento, erro humano?

Ainda é cedo para saber a sequência de acontecimentos que resultaram na queda do voo 2283. Só a investigação poderá dar uma resposta clara a todas as questões e sugerir procedimentos para evitar que estas tragédias se repitam no futuro.