Ursos polares machucam suas patas no gelo do Ártico devido ao aumento da temperatura

Um novo estudo liderado pela Universidade de Washington investiga como os ursos polares do Ártico acumulam bolas de gelo nas suas patas, as machucando.

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Três ursos polares adultos rompem o gelo marinho no leste da Groenlândia. Crédito: Kristin Laidre/Universidade de Washington.

Um novo estudo liderado pela Universidade de Washington (UW) e publicado na revista Ecology descreve como, em algumas áreas do alto Ártico, os ursos polares estão acumulando gelo nas suas patas, o que está causando lesões. E isso devido às mudanças nas condições do gelo marinho pelo aquecimento global.

Estudando duas populações de ursos polares, os pesquisadores descobriram lacerações, acúmulo de gelo, perda de pêlo e ulcerações na pele que afetam as patas dos ursos polares adultos e outras partes de seus corpos. Dois dos ursos tinham gelo de até 30 cm de diâmetro preso nas 'almofadas' das patas, causando cortes profundos nelas que dificultavam a sua caminhada.

A culpa é do aquecimento climático?

A descoberta de lesões relacionadas com o gelo é a primeira vez que foram documentadas em ursos polares nesta área. A equipe sugere vários mecanismos para explicar como a mudança de um clima que permaneceu abaixo de 0ºC para outro clima com ciclos de congelamento e degelo poderia ter causado os ferimentos observados.

“Além das respostas previstas às mudanças climáticas para os ursos polares, haverá outras respostas inesperadas”, disse a autora principal Kristin Laidre, cientista do Laboratório de Física Aplicada da UW. “Curiosamente, com o aquecimento climático há ciclos de congelamento e degelo mais frequentes com mais neve molhada, e isso leva ao acúmulo de gelo nas patas dos ursos polares”, disse.

Laidre e o coautor Stephen Atkinson, veterinário da vida selvagem, estudaram duas populações de ursos polares que viveram no Ártico entre 2012 e 2022 e observaram os ferimentos que os animais apresentavam. Na população da Bacia de Kane – localizada entre a Groenlândia e o Canadá 31 dos 61 ursos estudados apresentaram evidências de lesões relacionadas ao gelo, como cortes, cicatrizes e queda de pêlo. Na segunda população no leste da Groenlândia, 15 dos 124 ursos polares estudados tiveram lesões semelhantes. Dois dos ursos da Groenlândia em locais diferentes durante 2022 tinham grandes bolas de gelo presas nas patas.

“Eu nunca vi isso antes”, disse Laidre. “Os dois ursos mais afetados não conseguiam correr, nem mesmo andar com facilidade. Ao imobilizá-los para a pesquisa, retiramos com muito cuidado as bolas de gelo. Elas estavam grudadas na pele, e quando você apalpava as patas era evidente que os ursos estavam sofrendo", disse.

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Esta foto mostra as patas traseiras de um urso polar temporariamente sedado para pesquisas no leste da Groenlândia em 2022. As patas apresentam um grande acúmulo de gelo preso nas almofadas. Foto: Kristin Laidre/Universidade de Washington.

Os pesquisadores têm estudado as populações de ursos polares desde a década de 1990, mas nunca tinham visto este tipo de lesões antes. A literatura científica e as consultas com caçadores indígenas sugerem que estas lesões são um fenômeno recente.

Os ursos polares têm saliências nas almofadas das patas que os ajudam a tracionar em superfícies escorregadias como o gelo. Essas protuberâncias, maiores que as de outras espécies de ursos, facilitam o acúmulo e o congelamento da neve úmida nas almofadas das patas. Isso também pode afetar outros animais, como os cães de trenó do Norte.

Três possíveis teorias

A equipe sugere três razões para o acúmulo de gelo e neve nas patas dos ursos polares, todas relacionadas com as mudanças climáticas. Uma delas é um aumento nos eventos de chuva sobre a neve, o que criaria mais neve suspensa que poderia se acumular e congelar nas patas quando as temperaturas caíssem. A segunda teoria é que os períodos quentes fazem com que a neve derreta e congele novamente na superfície. Os pesados ursos polares então rompem essa crosta de gelo, cortando as almofadas das patas nos fragmentos afiados do gelo quebrado.

A terceira teoria é que ambas as populações de ursos vivem em “gelo rápido” ligado à terra, perto do encontro dos glaciares com o oceano. O aquecimento do clima nestes ambientes causou um afinamento do gelo marinho, permitindo que a água do mar penetrasse na neve. A neve molhada endurece nas patas do urso e congela novamente, formando bolas de gelo. Ao contrário de outras áreas, os ursos polares que vivem nas bordas das geleiras não nadam longas distâncias durante a primavera, o que ajudaria a derreter o gelo nas patas devido às temperaturas mais altas da água.

Existem três razões possíveis para o acúmulo de gelo e neve nas patas dos ursos polares: mais eventos de chuva sobre neve, mais ciclos de congelamento-recongelamento ou habitats de gelo marinho mais finos.

Os pesquisadores são cautelosos ao tirar conclusões gerais sobre a saúde da população de ursos polares, mesmo que estejam sendo afetados pelo acúmulo de gelo nas patas.

“Vimos lesões relacionadas com o gelo em ursos polares individuais”, diz Laidre. “Mas não me atrevo a tirar conclusões sobre como isso pode afetar a população. Realmente não sabemos”.

Uma pesquisadora do Laboratório de Física Aplicada da UW, Melinda Webster, publicou recentemente outro estudo analisando a cobertura de neve no gelo marinho do Ártico.

“A superfície do gelo marinho do Ártico está se transformando com as mudanças climáticas”, diz Webster. "O gelo marinho tem menos neve no final da primavera e no verão, e a neve que existe sofre derretimento mais precoce, mais episódico e chuvas mais frequentes. Tudo isso pode criar condições de superfície difíceis para os ursos polares", disse.

Quando questionada sobre o que poderia ser feito para ajudar os ursos polares, Laidre respondeu: “Podemos reduzir as emissões de gases de efeito estufa e tentar limitar o aquecimento climático”., comentou.

Referência da notícia:

Laidre, K. L.; Atkinson, S. N. Icing‐related injuries in polar bears (Ursus maritimus) at high latitudes. Ecology, 2024.