A ciência por trás da incrível imagem do buraco negro
Ontem foi divulgada em primeira mão a imagem inédita de um buraco negro. Na verdade trata-se da detecção do horizonte de eventos de um buraco negro, um feito tecnológico extraordinário. A detecção confirma a Teoria da Relatividade de Einstein e é a primeira prova concreta da existência de buracos negros.
Ontem foi um dia especial para a ciência mundial, especialmente para a astronomia. Pela primeira vez detectamos o horizonte de eventos de um buraco negro, o que significa, que de forma inédita, um buraco negro foi observado. A detecção é um feito tecnológico extraordinário e confirma a Teoria da Relatividade Geral de Einstein, além de ser a primeira prova concreta da existência desses corpos celestes no universo.
"A ciência já tinha muitas evidências da existência de buracos negros, mas evidência não chega a ser detecção" fala Pedro Beaklini, pesquisador do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP). Para o pesquisador a tão esperada detecção traz possibilidades de estudar o que acontece no limite da linha do horizonte do buraco negro: "Já de cara confirmamos que o buraco negro gira, pois o tamanho medido da sombra seria diferente se ele não girasse. Irão acontecer novas observações e aos poucos vamos dando um passo além" conta Beaklini.
A existência de buracos negros super massivos, como o detectado ontem, é uma consequência da Teoria da Relatividade Geral (1915) de Albert Einstein. Esses objetos super densos deformariam as dimensões de espaço e tempo, gerando uma curvatura tão grande que, a partir de um certo ponto chamado horizonte de eventos, nem a luz conseguiria escapar. A detecção mostrou exatamente o que era esperado: uma região aproximadamente circular sem qualquer emissão de radiação com matéria orbitando ao redor do horizonte de eventos.
Como foi feita a detecção
As imagens que temos do universo são obtidas através da captura de radiação eletromagnética (luz) emitida pelos diferentes corpos celestes. Mas como detectar um objeto que não emite radiação? A resposta está na matéria que "cai" no buraco negro, que continua a emitir radiação até passar pelo horizonte de eventos.
O problema é que o tamanho destes objetos no céu é muito pequeno, pois estão muito distantes da Terra. Para "enxergar" o buraco negro detectado ontem precisaríamos de um telescópio com uma antena de 10000 km de diâmetro, que é quase o diâmetro da Terra (12742 km). Seria como "fotografar" uma laranja na superfície da Lua.
Construir um telescópio de tal proporção é inviável e a solução foi usar a combinação de vários radiotelescópios (antenas) distribuídos pelo planeta. A observação foi feita por 8 antenas que aderiram ao projeto "Telescópio Horizonte de Eventos" (do inglês Event Horizon Telescope), mas mesmo com essa quantidade de antenas ainda faltaria bastante para que a recepção de sinal fosse equivalente a um telescópio com o diâmetro da Terra.
Por essa razão foi necessário o desenvolvimento de um algorítimo que preenche essas lacunas nas informações recebidas do espaço, ou seja, um programa de computador que junta e processa as informações obtidas pelas antenas para compor a imagem final. Katie Bouman liderou a equipe que desenvolveu o algoritmo, formada por pesquisadores do Laboratório de Ciência da Computação e Inteligência Artifical do Instituto Tecnológico do Massachusetts (MIT), do Centro Harvard-Smithsonian para Astrofísica e do Observatório Haystack do MIT.
A imagem é fabulosa, mas deve ser interpretada com cuidado: "é uma reconstrução feita a partir de observações interferométricas no comprimento de onda de 1.3 mm, muito distante da faixa espectral que nossos olhos conseguem enxergar. O gás ao redor do buraco negro também não é necessariamente avermelhado: a imagem é apresentada em cores falsas, que apenas indicam a intensidade do brilho do gás ao redor do buraco negro" explica Felipe Navarete, também pesquisador do IAG-USP.