A Internet e a conectividade global estão em perigo devido às avalanches gigantes que ocorrem no fundo do mar

Novos estudos revelam como as avalanches submarinas são geradas e desafiam as crenças anteriores sobre a sua origem. Esse fenômeno coloca a Internet e a conectividade global em perigo.

cabos, fundo do mar
Um perigo escondido no fundo do mar ameaça a conectividade mundial.

A expansão da Internet exigiu uma rede crescente de cabos de fibra óptica no fundo do mar, que transportam praticamente todo o tráfego mundial da Internet. No entanto, um perigo oculto ameaça constantemente destruir essa infraestrutura: as avalanches marítimas.

Esses fenômenos naturais em grande escala ocorrem diariamente sob a superfície do oceano. São invisíveis e extremamente difíceis de medir, o que significa que sabemos muito pouco sobre a sua dinâmica.

Estima-se que existam atualmente mais de 550 cabos marítimos ativos em todo o mundo, com um comprimento total combinado de 1,4 milhões de quilômetros, o suficiente para rodear a circunferência da Terra 35 vezes.

Quando uma avalanche submarina corta cabos de fibra óptica no fundo do mar, as consequências podem ser amplas e custosas. Felizmente, o grande número de cabos torna extremamente improvável que um único evento interrompa o serviço global de Internet.

A frequência dessas avalanches varia dependendo da região. Cânions submarinos que começam perto da foz de rios com extensas bacias de águas pluviais podem sofrer várias pequenas avalanches por ano. Por outro lado, outros sistemas distantes das descargas fluviais, como o desfiladeiro de Agadir, a noroeste de Marrocos, registram apenas uma avalanche gigantesca a cada 10 mil anos.

Vários fatores podem desencadear estes deslizamentos de terra, incluindo terremotos, marés, tufões, inundações de rios e até erupções vulcânicas. Com as mudanças climáticas, alguns destes fatores se tornarão mais frequentes e intensos, aumentando o risco de interrupções de conectividade.

Avalanches subaquáticas

Quando uma avalanche subaquática quebra os cabos no fundo do mar, as consequências podem ser amplas e custosas.

Em 2006, o terremoto de Pingtung, em Taiwan, provocou avalanches subaquáticas que danificaram vários cabos que ligam o Sudeste Asiático ao resto do mundo. A maior operadora de Internet da China relatou uma perda de 90% de tráfego para os Estados Unidos no auge do evento, e Taiwan sofreu uma perda entre 74% e 100% do tráfego de Internet para as ilhas vizinhas.

fundo do mar
Novo estudo fornece informações sobre como as avalanches subaquáticas se desenvolvvem.

A avalanche subaquática que causou a ruptura desses cabos moveu-se rapidamente, atingindo uma velocidade máxima de 72 km/h. No entanto, foi relativamente pequena em comparação com as gigantescas avalanches subaquáticas do Atlântico.

Por exemplo, em 1755, um grande terremoto atingiu a costa de Portugal, destruindo grande parte de Lisboa e matando milhares de pessoas. No entanto, causou apenas uma pequena avalanche subaquática.

Por outro lado, em 1929, um forte terremoto na costa de Newfoundland, no Canadá, desencadeou a maior avalanche subaquática já registrada. Foi tão grande que gerou um tsunami, matando 28 pessoas ao longo da costa.

O caso de Marrocos

Há cerca de 60 mil anos, ao longo da costa de Marrocos, o fundo do mar mudou drasticamente quando uma avalanche gigantesca percorreu 400 km através do maior desfiladeiro subaquático do mundo e espalhou-se por mais 1.600 km através do fundo do Atlântico. Este deslizamento de terra é o maior conhecido até hoje.

Em um novo estudo publicado na revista Science Advances, uma equipe de cientistas conseguiu mapear a área afetada. “Mapeamos a avalanche combinando o mapeamento topográfico detalhado do fundo do mar com centenas de núcleos de sedimentos que penetraram nos depósitos da avalanche em uma vasta área. Em cada núcleo, analisamos os depósitos em busca de fósseis, o que nos permitiu determinar que o evento ocorreu há 60 mil anos. Também conseguimos correlacionar a camada de avalanche ao longo de milhares de quilômetros”, explicou Christopher Stevenson, professor da Universidade de Liverpool e um dos autores do estudo.

A avalanche continha sedimentos suficientes para encher 140 mil estádios de Wembley (162 km³). Atingiu a altura de um arranha-céu (mais de 200 metros), moveu-se a uma velocidade mínima de 54 km/h e cavou uma trincheira de 30 metros de profundidade e 15 km de largura ao longo de 400 km (a distância entre Londres e Liverpool), destruindo tudo em seu caminho.

“A avalanche continha sedimentos suficientes para encher 140 mil estádios do Wembley (162 km³). Atingiu a altura de um arranha-céu (mais de 200 metros), moveu-se a uma velocidade mínima de 54 km/h e cavou uma trincheira de 30 metros de profundidade e 15 km de largura ao longo de 400 km (a distância entre Londres e Liverpool), destruindo tudo em seu caminho. Depois espalhou-se por uma área do tamanho da Alemanha, enterrando-se sob cerca de um metro de areia e lama”, explica Stevenson.

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Batimetria em toda a bacia estudada.

No entanto, foi demonstrado que a avalanche na verdade começou como um pequeno deslizamento de terra, que depois cresceu mais de 100 vezes em tamanho ao longo do seu caminho. Este crescimento extremo é muito maior do que nas avalanches terrestres, que normalmente crescem quatro a oito vezes o seu tamanho e são minúsculas em comparação. Esta descoberta desafia a crença científica de que grandes avalanches começam com o colapso de uma grande encosta.

Portanto, estes insights podem mudar a forma como avaliamos o risco geológico destes fenômenos, sugerindo que devemos nos concentrar mais na trajetória da avalanche do que no seu ponto de partida.

Referência da notícia:

Böttner, C. et al. Extreme erosion and bulking in a giant submarine gravity flow. Science Advances, v. 10, 2024.