A longa infância foi a chave para a evolução do cérebro humano? Isto é o que sugere novo estudo na Nature

O estudo dos dentes fósseis de um indivíduo Homo que viveu há 1,77 milhão de anos mostra que a longa infância e a transmissão cultural em grupos sociais podem estar relacionadas ao tamanho do cérebro humano.

crânio fóssil, 3D
Reconstrução tridimensional do crânio fóssil de um Homo subadulto inicial do sítio Dmanisi, Geórgia. Crédito: ESRF/Paul Tafforeau, Vincent Beyrand.

Ao contrário dos grandes símios, os humanos têm uma infância excepcionalmente mais longa. Durante este período, quando o cérebro se desenvolve, as crianças dependem dos cuidados e da preparação dos adultos.

O consenso atual é que essa longa infância está relacionada à evolução do cérebro, por ser um órgão que necessita de muita energia para crescer, e com sua evolução o ser humano precisaria de mais tempo para avançar em direção à maturidade.

No entanto, o consenso pode necessitar de revisão, dado um estudo realizado por uma equipe internacional de pesquisadores – publicado na revista Nature – que sugere que infâncias longas, juntamente com a estrutura social de três gerações, levaram a cérebros maiores, e não o contrário.

A infância prolongada tornou o cérebro maior?

O grupo de cientistas da Universidade de Zurique (na Suíça), do European Synchrotron Radiation Facility (ESRF, em Grenoble, França) e do Museu Nacional da Geórgia utilizou imagens síncrotron (uma espécie de acelerador de partículas) para estudar o desenvolvimento dentário de um fóssil quase adulto de um Homo primitivo do sítio arqueológico Dmanisi, na Geórgia, que remonta a cerca de 1,77 milhão de anos.

Fósil de un Homo casi adulto del yacimiento de Dmanisi, en Georgia, que data de hace unos 1,77 millones de años, escaneado en el sincrotrón europeo (ESRF). Crédito: Museo Nacional de Georgia.
Fóssil de um Homo quase adulto do sítio de Dmanisi, na Geórgia, datado de cerca de 1,77 milhão de anos atrás, escaneado no síncrotron europeu (ESRF). Crédito: Museu Nacional da Geórgia.

Através da análise dos dentes fossilizados de um indivíduo quase adulto, a equipe de pesquisadores observou que, embora a espécie tenha atingido a idade adulta tão rapidamente quanto os grandes símios (cerca de 12 anos), apresentava uma sequência de desenvolvimento dentário semelhante à dos humanos modernos, sugerindo uma maior duração da infância e dependência de adultos.

“Esperávamos encontrar um desenvolvimento dentário típico dos primeiros hominídeos, próximo ao dos grandes símios, ou um desenvolvimento dentário próximo ao dos humanos modernos. Quando obtivemos os primeiros resultados, não podíamos acreditar no que vimos, porque era algo diferente que implicava um crescimento mais rápido da coroa molar do que em qualquer outro hominídeo fóssil ou grande símio atual", explicou Paul Tafforeau, cientista da ESRF, e coautor do estudo.

O indivíduo estudado morreu entre 11 e 12 anos, mas seus dentes do siso estavam quase totalmente desenvolvidos, como os grandes primatas dessa idade. No entanto, a sua forma de maturação dentária era muito semelhante à dos humanos, com os dentes posteriores ficando atrás dos dentes anteriores durante os primeiros cinco anos de desenvolvimento.

“Isto sugere que os dentes de leite foram usados durante mais tempo do que nos grandes símios, e que este indivíduo dependeu do apoio dos adultos durante mais tempo do que os descendentes dos grandes símios”, disse Marcia Ponce de León, pesquisadora da Universidade de Zurique e do IBS Center for Climate Physics, e coautora do estudo. “Podemos estar vendo o primeiro experimento evolutivo na infância prolongada”, acrescentou ela.

O que os dentes podem dizer sobre o passado da nossa espécie?

“Os dentes são perfeitos para estudar o crescimento porque fossilizam bem e registram o desenvolvimento diário”, explicou Christoph Zollikofer, pesquisador da Universidade de Zurique e coautor do estudo.

Paul Tafforeau e Vincent Beyrand
Paul Tafforeau e Vincent Beyrand no European Synchrotron (ESRF) escaneando dentes. Crédito: ESRF/Stef Candé.

Segundo os pesquisadores, o desenvolvimento dentário está fortemente correlacionado com o desenvolvimento do resto do corpo, incluindo o cérebro. “O acesso aos detalhes do crescimento dentário de um hominídeo fóssil fornece, portanto, uma riqueza de informações sobre o seu crescimento geral”, acrescentou Tafforeau.

“A infância e a cognição não se fossilizam, por isso temos que contar com informações indiretas. Os dentes são ideais porque fossilizam bem e produzem anéis diários, da mesma forma que as árvores produzem anéis anuais, que registram o seu desenvolvimento”, destacou Zollikofer.

Para chegar aos resultados, a equipe trabalha desde 2005 em análises não destrutivas de microestruturas dentárias por meio de tomografia com contraste de fase síncrotron. A técnica permitiu criar fatias microscópicas virtuais através dos dentes do fóssil e depois reconstruir todas as fases de crescimento, desde o nascimento até a morte, com grande precisão.

Durante vários anos realizaram experiências e análises, utilizando diferentes abordagens. Todos os seus resultados apontavam na mesma direção, contrariando a hipótese de que um cérebro grande causava uma infância longa.

Referências da notícia:

Zollikofer, C. P. E. et al. Dental evidence for extended growth in early Homo from Dmanisi. Nature, 2024.

IBS Center for Climate Physics. "Synchrotron radiation sheds new light on the evolution of human childhood". 2024.