Antigos indígenas sul africanos descobriram fósseis antes da ciência e podem ter adorado criaturas extintas

Um painel rupestre pintado pelos San 200 anos atrás retrata um animal extinto há milhões de anos, o que sugere a existência de conhecimento paleontológico que foi incorporado na crença desse povo.

Painel rupestre pintado pelos San retrata um animal extinto há milhões de anos.
Painel rupestre pintado pelos San retrata um animal extinto há milhões de anos, o que sugere que eles incorporaram fósseis à sua arte e crença. (imagem: Julien Benoit)

Os San são um dos povos indígenas mais antigos da África, com uma história que remonta a dezenas de milhares de anos atrás. Eles habitaram principalmente regiões do sul da África, como o deserto do Kalahari. Os San são famosos por sua cultura única, tradicionalmente baseada no modo de vida de caçadores-coletores.

Um painel rupestre, conhecido como o Painel da Serpente com Chifres, localizado em La Belle France (Província do Estado Livre, África do Sul) foi pintado pelos San há pelo menos duzentos anos. Ele retrata, entre vários elementos, um animal com presas e uma cabeça que se assemelha à de um dicinodonte, cujos fósseis são abundantes e bem conhecidos na Bacia do Karoo.

Esse painel parece estar relacionado a um mito dos San sobre grandes animais que vagavam pela África Austral e que agora estão extintos. Isso sugere que os San poderiam ter integrado, de alguma forma, os fósseis locais em seu sistema de crenças.

Pesquisadores confirmaram a presença dessa pintura em La Belle France, assim como a existência de fósseis de tetrápodes nas proximidades do local. Tudo isso aponta para uma forma de paleontologia indígena. A pintura foi datada entre 1821 e 1835, ou possivelmente antes, o que significa que ela é pelo menos dez anos mais antiga que a descrição científica do primeiro dicinodonte, o Dicynodon lacerticeps, feita em 1845.

Os San descobriram e entenderam fósseis antes da ciência.

Os San são conhecidos por incorporar em sua arte elementos do ambiente ao redor, incluindo fósseis. Uma pesquisa, conduzida por Julien Benoit, da Universidade de Witwatersrand, em Joanesburgo, destaca essa intrigante relação.

O painel retrata, entre vários elementos, um animal com presas.
O painel retrata, entre vários elementos, um animal com presas e uma cabeça que se assemelha à de um dicinodonte, cujos fósseis são abundantes na Bacia do Karoo (imagem: Julien Benoit)

O painel também apresenta animais e outros elementos culturais relacionados ao povo San. Entre as figuras pintadas, a que mais chama a tenção é justamente a do animal de corpo alongado com presas voltadas para baixo, que não corresponde a nenhuma espécie moderna conhecida na região.

Benoit sugere que essa criatura com presas pode ter sido inspirada por uma espécie extinta, como os dicinodontes, que habitavam a região e cujos fósseis são frequentemente encontrados na Bacia do Karoo.

Imagens do local onde as pinturas rupestres foram encontradas.
Imagens do local e das pinturas rupestres, na Bacia do Karoo (imagem: Julien Benoit)

Acontece que essa bacia, famosa pela abundância de fósseis bem preservados, contém diversos fósseis de animais com presas, conhecidos como dicinodontes, que eram herbívoros pré-históricos. Ao revisitar o painel, Benoit encontrou semelhanças entre a figura pintada e os fósseis de dicinodontes, uma interpretação que também encontra respaldo nos mitos San sobre animais extintos.

Se a figura de fato representa um dicinodonte, isso significa que os San teriam "descoberto" esses fósseis e interpretado artisticamente muito antes da ciência ocidental.

Embora haja evidências arqueológicas de que os San podem ter coletado fósseis e incorporado esses achados em sua arte, o nível de conhecimento paleontológico indígena ainda é pouco compreendido. Pesquisas futuras sobre as culturas indígenas ao redor do mundo podem revelar mais sobre como os humanos integraram fósseis em suas tradições culturais e religiosas.

O fato é que a pintura foi feita, no máximo, em 1835, o que significa que esse dicinodonte foi retratado pelo menos dez anos antes da descoberta e nomeação científica do primeiro dicinodonte, realizada por Richard Owen em 1845. Este trabalho reforça a ideia de que os primeiros habitantes do sul da África descobriram fósseis, foram capazes de interpretá-los e integraram suas representações em sua arte rupestre e seu sistema de crenças.

Referência da Notícia:
Julien Benoit. A possible later stone age painting of a dicynodont (Synapsida) from the South African Karoo. PLOS ONE, 2024; 19
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