Carbono na atmosfera, mercúrio no solo: pesquisa mostra os danos da mineração ilegal de ouro no Brasil

Garimpo de ouro é responsável por redução de 50% dos estoques de carbono em quatro biomas brasileiros; concentração de mercúrio chega a aumento de 70%

Mineração ilegal de ouro na Amazônia
Área ilegal de garimpo em território indígena Yanomami, em Roraima. Crédito: Leo Otero/MPI

Mercúrio e carbono, uma combinação perigosa. Os impactos da mineração ilegal de ouro no Brasil são vastos e podem ser rastreados em uma longa cadeia que afeta a natureza, a biodiversidade e a saúde humana. A dimensão desses danos ainda está sendo compreendida pelo governo e pela ciência, com a contribuição de estudos como o que foi recentemente publicado na revista Science of the total Environment. A pesquisa, realizada em áreas nativas e inativas de mineração de ouro no país, calculou perdas de 50% nos estoques de carbono; em contrapartida, a concentração de mercúrio no solo e nas águas atingiu foi de 70%.

A análise foi feita por um grupo de pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) em garimpos na Amazônia, Cerrado, Pantanal e Mata Atlântica. “Nosso objetivo foi avaliar o impacto da mineração na geoquímica de Hg (mercúrio) e SOM (matéria orgânica do solo, na sigla em inglês) em quatro biomas brasileiros”, escrevem os autores do estudo.

A extração artesanal de ouro está associada à derrubada de vegetação nativa, que empobrece o solo e o deixa mais vulnerável à liberação de carbono de volta à atmosfera, agravando a crise climática. Já o mercúrio é introduzido pelos garimpeiros para um processo de separação do ouro do ambiente: a junção desses dois metais forma uma substância chamada amálgama, que depois é queimada (para extrair o ouro puro), e o resíduo de mercúrio é despejado nas águas e no solo.

“A mineração ilegal de ouro gera dois problemas principais: a emissão de dióxido de carbono, que contribui para o aumento dos gases de efeito estufa, e a maior disponibilidade de mercúrio no solo, um contaminante extremamente tóxico que pode entrar na cadeia alimentar”, ressalta o engenheiro agrônomo e primeiro autor da pesquisa, Matheus Bortolanza.

Amazônia e Pantanal foram os biomas mais afetados pela mineração ilegal

Rio Amazonas
Mercúrio residual da mineração contamina rios na Amazônia. Crédito: Felipe Werneck/Ibama

Dentre os biomas abrangidos pelo estudo, a Amazônia e o Pantanal apresentaram os maiores fatores de impacto, com alta concentração de mercúrio e perdas dos estoques de carbono. Os pesquisadores indicam que isso está relacionado às condições climáticas dessas regiões.

Em climas mais quentes e úmidos, a decomposição da matéria orgânica do solo é acelerada, o que influencia na emissão mais rápida de gases de efeito estufa, como o dióxido de carbono (CO2). Com o solo mais exposto, essas áreas afetadas pelo garimpo tendem a liberar mais mercúrio concentrado, aumentando o risco de contaminação das águas, de animais e das populações locais.

“Como o mercúrio está mais disponível no solo, a chance de algum organismo vivo acessá-lo é muito grande. Então, o risco para a saúde e a chance de contaminação são muito maiores”, explica Bortolanza.

Impactos da mineração podem ser bem maiores

A extração ilegal de ouro está associada a graves impactos socioambientais no Brasil. Crédito: ClimaInfo


Para o desenvolvimento das análises, os cientistas mapearam áreas de mineração em quatro municípios brasileiros, localizados em biomas diferentes: Tucumã (PA), Poconé (MT), Colider (MT) e Descoberto (MG). As amostras foram coletadas em áreas de 64 metros quadrados e com profundidade de até 20 centímetros.

As dinâmicas de carbono e mercúrio nas estações seca e chuvosa das áreas de mineração e de pastagem foram avaliadas usando uma combinação de extração espectroscópica, química e termogravimetria. Em média, os solos analisados apresentaram uma perda mínima de 3,5 toneladas de carbono nos biomas. “Considerando a floresta original e maiores profundidades, os números podem ser gigantescos”, afirma Matheus Bortolanza.

A mineração de ouro é uma atividade com longo rastro histórico no país, remontando a construção (e destruição) de territórios Brasil adentro. A região de Minas Gerais foi uma das primeiras fronteiras da atividade, no século XVII. Mais recentemente, as regiões Norte e Centro-Oeste concentram grande parte das investidas do garimpo, que muitas vezes são realizadas de forma irregular, desrespeitando a demarcação de Terras Indígenas e Unidades de Conservação.

Referências da notícia

Jornal da USP. Mineração ilegal de ouro libera carbono na atmosfera enquanto concentra mercúrio nos solos. 2024

Science of the Total Environment. Impact of climatic seasons on the dynamics of carbon, nitrogen and mercury in soils of Brazilian biomes affected by gold mining. 2024