Chuvas na Amazônia: estudo desvenda o papel oculto da floresta em gerar seus próprios aerossóis para formar nuvens

Os resultados preenchem uma lacuna crucial no entendimento dos mecanismos exclusivos da floresta Amazônica na formação de sua precipitação.

chuva amazonia
Nuvem de chuva na Amazônia. Imagem: Reprodução/Rodolfo Pongelupe.

Um estudo publicado recentemente na revista científica Nature, uma das mais renomadas e influentes do mundo, desvendou um mecanismo essencial na formação de chuva na Amazônia: o papel oculto da floresta na produção de seus próprios aerossóis, fundamentais para a formação de nuvens! Para entender esse resultado, é necessário compreender como as nuvens se formam e a dinâmica da precipitação na Amazônia.

Como as nuvens se formam?

Uma nuvem é um conjunto de gotículas de água no estado líquido ou sólido. Elas se formam quando o ar está supersaturado em relação à água líquida. No contexto da microfísica de nuvens, isso refere-se a uma condição em que a umidade do ar está acima do nível que seria suficiente para “preencher” (saturar) o ar com vapor de água a uma dada temperatura, ou seja, umidade relativa superior a 100%.

Nestas condições, o vapor de água se condensa (passa para a forma líquida) sobre partículas sólidas suspensas na atmosfera, conhecidas como Núcleos de Condensação de Nuvens (NCNs). Os NCNs fazem parte de um tipo específico de aerossol, cujas propriedades permitem a nucleação da condensação do vapor d’água, ponto de partida para a formação de gotículas de água nas nuvens.

Aerossol é um termo geral que se refere a partículas sólidas ou líquidas suspensas no ar, podendo ser naturais, como poeira ou sal marinho, ou antropogênicos, como no caso dos poluentes industriais. Todos os NCNs são aerossóis, mas nem todos os aerossóis funcionam como NCNs.

Este processo cria gotículas de nuvens que, através de diversos processos físicos, crescem e interagem entre si, até alcançarem tamanhos ditos ‘precipitáveis’, ou seja, quando as gotas - ou partículas de gelo - são pesadas o suficiente para caírem da nuvem em direção à superfície. Agora que entendemos a necessidade dos aerossóis para a formação das nuvens e da chuva, podemos explorar melhor a dinâmica da chuva na Amazônia.

A precipitação na Amazônia e a reciclagem de umidade

A precipitação na Amazônia é alimentada principalmente pelo transporte de umidade do oceano Atlântico equatorial, com fluxo de vapor d'água de leste para oeste ao longo do ano, impulsionado pelos ventos alísios. A floresta utiliza esta umidade para a sua precipitação local e, então, ocorre um fenômeno conhecido como reciclagem da precipitação na bacia amazônica.

A reciclagem de precipitação na Amazônia se refere ao processo pelo qual a umidade retorna para a atmosfera através da evapotranspiração (evaporação das superfícies líquidas somado à transpiração das plantas), sendo captada e utilizada para a formação de novas nuvens e precipitações.

Estima-se que 20% a 35% da precipitação na Amazônia seja reciclada localmente, o que evidencia o papel fundamental da existência da floresta para a formação de grande parte da precipitação. Esse processo também fornece umidade para outras regiões da América do Sul, como o Centro-Sul do Brasil e a bacia do Prata, em particular durante a primavera e o verão.

O papel oculto da floresta na produção de aerossóis

O estudo de colaboração internacional, liderado pelo cientista brasileiro Luiz Augusto Toledo Machado, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IF-USP), muda o paradigma no entendimento das interações entre aerossóis, nuvens e precipitação na Amazônia.

Até então, acreditava-se que a floresta não fosse capaz de produzir esses aerossóis, com a hipótese de que eles se originavam em altitudes mais elevadas. No entanto, a pesquisa revelou que, durante e após a chuva, as concentrações de NCNs diretamente acima do dossel florestal (topo das árvores) são superiores às encontradas em altitudes mais altas, indicando que esses aerossóis se formam dentro da própria floresta.

esquema
Resumo esquemático do processo de formação de aerossóis através da precipitação na floresta. Fonte: Adaptado de Machado et al. (2024)/Nature.

A explicação, de forma simplificada, é que a chuva induz a formação de nanopartículas (partículas muito pequenas) com tamanhos típicos de NCNs. Esse fenômeno pode ser parcialmente explicado pela injeção de ozônio (O3) no dossel florestal, o que favorece a oxidação de compostos orgânicos voláteis biogênicos. Esse processo intensifica a formação de novas partículas, essenciais para a formação de novas nuvens.

Compostos orgânicos voláteis biogênicos são substâncias químicas emitidas naturalmente por plantas, árvores e outros organismos vivos. Esses compostos têm alta volatilidade, o que significa que facilmente passam do estado líquido ou sólido para o gasoso. Entre os mais comuns estão os terpenos, liberados em grandes quantidades por florestas tropicais como a Amazônia.

Em resumo, as correntes descendentes de vento geradas pela precipitação transportam O3 da troposfera livre, uma camada atmosférica onde o ar é naturalmente rico em O3 e menos influenciada por processos que ocorrem na superfície terrestre, para o interior do dossel. O O3, por sua vez, reage com os gases liberados naturalmente pela floresta, transformando-os em partículas sólidas ou líquidas que atuam como NCNs para a formação de novas nuvens e precipitação.

Importância dos resultados

Esses novos achados, somados ao conceito de reciclagem da precipitação, reforçam o papel indispensável da floresta amazônica no equilíbrio climático e hídrico. Os processos únicos de geração de umidade e aerossóis na região não apenas sustentam o ciclo da precipitação local, mas também têm impactos significativos em outras partes da América do Sul, regulando regimes de chuva essenciais para a agricultura, o abastecimento de água e a manutenção de ecossistemas.

Além de sua influência climática, a Amazônia é um dos maiores reservatórios de biodiversidade do planeta, abrigando milhares de espécies que desempenham funções críticas para a estabilidade ambiental. Preservar a floresta é, portanto, essencial não apenas para a segurança hídrica e climática, mas também para a proteção de sua rica diversidade biológica, que é um legado insubstituível para as gerações futuras.