Ciclone tropical: número de mortes em decorrência do fenômeno nos EUA pode ser 300 vezes maior que o oficial

Estudo inédito mostrou que o número total de mortes nos Estados Unidos em função de ciclones tropicais pode ser 300 vezes maior que o oficial; e que eles contribuem para milhares de mortes até 15 anos após a sua ocorrência.

furacão Helene, EUA
Vista aérea mostra casas destruídas após furacão Helene atingir a Flórida, EUA, há uma semana atrás. O fenômeno já deixou mais de 200 mortos, enquanto as buscas continuam. Crédito: Chandan Khanna/AFP.

Um estudo inédito divulgado recentemente na revista Nature usou modelagem estatística para estimar o número total de mortes a longo prazo nos Estados Unidos em decorrência de ciclones tropicais. O principal resultado da pesquisa indica que essas mortes podem ser 300 vezes maiores do que os números oficiais que foram divulgados. Veja mais detalhes abaixo.

Mortes por ciclones tropicais nos EUA podem ser subestimadas

Os ciclones tropicais, também chamados de furacões ou tufões dependendo da região em que se formam, são grandes sistemas de tempestades que se caracterizam pela formação de fortes ventos giratórios na atmosfera, que quando atingem a superfície terrestre podem causar muita destruição e danos severos.

O estudo em questão avaliou os efeitos de 501 ciclones tropicais históricos nos Estados Unidos entre 1930 e 2015, com exceção do Alasca e do Havaí, e chegou à conclusão de que há uma grande mortalidade não documentada. O número de mortes a longo prazo causadas por esses eventos é cerca de 300 vezes maior do que os números oficiais.

furacão Helene, EUA
Furacão Helene, da semana passada, é um dos três mais mortais nos Estados Unidos nos últimos 50 anos. Crédito: Sean Rayford/Getty Images North America.

Além disso, também foi sugerido que a taxa de mortalidade persiste por até 15 anos após a ocorrência do fenômeno, principalmente ao longo da costa atlântica.

O número médio de mortes indiretas relatadas em anos posteriores à ocorrência dos eventos ficaria entre 7 mil e 11 mil, cerca de 300 vezes maior do que a média de 24 mortes diretas divulgadas pelos órgãos oficiais do governo americano.

“Os 501 ciclones tropicais que afetaram a região entre 1930 e 2015 geraram um total de 3,6 a 5,7 milhões de mortes em excesso [...]. Um ciclone tropical de intensidade média está associado a cerca de 7.170 – 11.430 mortes. Este fardo é 300-480 vezes maior do que as estimativas do governo de 24 mortes por tempestade, em média, durante 1950-2015”, afirma o estudo.

Isso significaria que os ciclones tropicais contribuíram de 3% a 5% para todas as mortes registradas nas áreas afetadas na costa leste dos Estados Unidos ao longo dos 85 anos (da década de 1930 até 2015).

Ainda, o estudo explica que o número total de mortos nesse período de 85 anos pode chegar a 5 milhões, o que significa que os ciclones tropicais podem ter contribuído para mais mortes do que acidentes de carro, doenças infecciosas ou mortes em guerras, por exemplo.

Resultados deixaram os pesquisadores surpresos

Quando os pesquisadores viram pela primeira vez quanto tempo durava o efeito devastador dos ciclones tropicais nas regiões atingidas, gerando números tão grandes, eles ficaram "muito surpresos e céticos", conforme comentou em um comunicado Rachel Young, autora principal do estudo, da Universidade da Califórnia, em Berkeley. "Ninguém sabia que isso estava acontecendo", disse ela.

Rachel e Solomon Hsiang, coautor do estudo e da Universidade de Stanford, passaram anos tentando descartar outras possíveis explicações para esses números, mas não conseguiram.

furacão Idalia, EUA
Makatla Ritchter (esquerda) e sua mãe, Keiphra Line, atravessam as águas da enchente depois de terem que deixar sua casa, devido ao furacão Idalia nos Estados Unidos em agosto de 2023. Crédito: Joe Raedle/Getty Images North America.

Mas eles ofereceram algumas teorias sobre como os ciclones podem ter contribuído para tantas mortes ao longo dos anos, incluindo: perturbações econômicas, danos à infraestrutura, aumento da poluição e do estresse, além da mudança de pessoas em idade produtiva.

Para exemplificar melhor isso, Rachel deu um exemplo: uma pessoa idosa que usa suas economias da aposentadoria para consertar sua casa após um ciclone; mais tarde tem algum problema de saúde mas descobre que não tem dinheiro para a assistência médica.

Por fim, os pesquisadores alertam que os furacões estão, em média, se tornando mais fortes e se intensificando mais rapidamente devido ao aquecimento da atmosfera e dos oceanos. E as áreas mais afetadas por eles deveriam receber mais atenção.

Referências da notícia:

The Guardian. “Major storms contribute to thousands of deaths up to 15 years later, study finds”. 2024.

Young, R.; Hsiang, H. Mortality caused by tropical cyclones in the United States. Nature, v. 66, 2024.