Como nosso consumo está destruindo as florestas tropicais: o verdadeiro custo dos alimentos que consumimos

A crescente demanda por alimentos importados está impulsionando a destruição de florestas tropicais e a perda de biodiversidade global. Esse impacto, embora invisível para muitos, ameaça espécies e ecossistemas, exigindo ações urgentes para mitigar essa crise ambiental.

Brasil, mudanças, região sudeste.
A agricultura é apontada como a principal responsável por mais de 90% da perda de biodiversidade associada às mudanças no uso da terra.

Nos últimos anos, a perda de biodiversidade global tem se acelerado de maneira alarmante, e uma das principais causas está relacionada às mudanças no uso da terra para atender às crescentes demandas por alimentos em todo o mundo. Um estudo recente publicado na Nature Sustainability revela como o comércio internacional de produtos agroalimentares está contribuindo para essa crise ambiental, deslocando os impactos negativos das nações consumidoras para as regiões mais biodiversas do planeta.

Como as importações de alimentos afetam a biodiversidade?

O estudo conduzido por pesquisadores da ETH Zurich e da Universidade Técnica de Munique destaca que quase 80% das mudanças recentes no uso da terra estão ligadas ao aumento das exportações agroalimentares de regiões como América Latina, África e Sudeste Asiático. Esses locais abrigam uma rica biodiversidade, mas estão sofrendo com a destruição de seus ecossistemas para a produção de produtos como carne, soja, óleo de palma e outros.

As áreas que mais sentem esses impactos são justamente as que possuem os ecossistemas mais vulneráveis, como as florestas tropicais do Brasil, Indonésia e Madagascar. No Brasil, por exemplo, o desmatamento da Amazônia é amplamente impulsionado pela criação de pastagens para a pecuária, destinada principalmente à exportação de carne bovina.

Esse desmatamento, por sua vez, tem contribuído significativamente para a perda de espécies, algumas das quais nunca poderão ser recuperadas.

O estudo também aponta um fenômeno preocupante: países como China, Estados Unidos e diversas nações europeias estão, ao mesmo tempo, reduzindo seus impactos locais sobre a biodiversidade e aumentando a destruição em outras partes do mundo, especialmente em regiões tropicais. Esses países, ao adotar práticas de restauração e conservação de seus próprios ecossistemas, muitas vezes optam por importar alimentos de regiões mais vulneráveis. Ou seja, a destruição ambiental não está diminuindo globalmente, ela está apenas sendo transferida de um lugar para outro.

Brasil, região sul, região sudeste.
Alguns países optam por importar alimentos de regiões mais vulneráveis.

De acordo com o estudo, o impacto das mudanças no uso da terra desde 1995 já comprometeu 1,4% das espécies globais à extinção, um número que excede em cinquenta vezes os limites planetários para a perda de biodiversidade. Isso ocorre porque, à medida que as regiões temperadas e áridas, como a Europa e partes da América do Norte, diminuem seus impactos ambientais, elas aumentam as importações de alimentos de regiões tropicais, que enfrentam a maior pressão sobre seus ecossistemas.

O papel da agricultura nas mudanças globais

A agricultura é apontada como a principal responsável por mais de 90% da perda de biodiversidade associada às mudanças no uso da terra. Culturas como a soja, óleo de palma e produção de carne bovina estão entre as maiores causadoras de desmatamento e conversão de habitats naturais em áreas agricultáveis. No Brasil, por exemplo, a expansão da pecuária e a produção de soja são os principais motores dessa mudança, enquanto na Indonésia, o óleo de palma tem desempenhado um papel devastador.

Brasil, soja, trigo, milho
A agricultura é apontada como a principal responsável por mais de 90% da perda de biodiversidade.

Ao transferir a produção agrícola para regiões tropicais, as nações importadoras, muitas vezes, deixam de levar em consideração os impactos ambientais globais, optando por uma abordagem mais conveniente para si mesmas, mas devastadora para os países produtores. Essa externalização da produção tem um preço ambiental altíssimo, que está sendo pago com a extinção de espécies e a degradação de ecossistemas inteiros.

Soluções urgentes para proteger a biodiversidade

O estudo deixa claro que, para reverter essa tendência, é essencial que políticas globais sejam implementadas para proteger as regiões ricas em biodiversidade e promover cadeias de abastecimento de alimentos mais sustentáveis. Medidas que incentivem a preservação de habitats naturais em países tropicais e que exijam práticas agrícolas mais responsáveis são cruciais para reduzir a perda de biodiversidade.

Proteger esses ecossistemas requer uma mudança na forma como o comércio internacional de alimentos é conduzido, com foco na sustentabilidade e na responsabilidade ambiental compartilhada.

Além disso, consumidores e governos em países importadores, como Estados Unidos, China e países da União Europeia, precisam se comprometer com a origem dos alimentos que consomem. Ao priorizar a compra de produtos certificados como sustentáveis, ou ao apoiar práticas agrícolas que minimizem o impacto ambiental, esses países podem ajudar a reduzir a pressão sobre as regiões tropicais e promover um uso mais sustentável dos recursos naturais.

A conservação da biodiversidade é um desafio global que exige uma resposta coletiva. Embora muitos países estejam adotando medidas para restaurar seus próprios ecossistemas, o impacto global das suas decisões de importação está criando um ciclo de destruição nas regiões mais ricas em biodiversidade do planeta.

O futuro da biodiversidade global depende das ações que tomarmos hoje para proteger os ecossistemas mais vulneráveis do mundo. É hora de agir para garantir que a natureza continue a prosperar para as próximas gerações.

Referência da noticia:

Cabernard, L., Pfister, S. & Hellweg, S. Biodiversity impacts of recent land-use change driven by increases in agri-food imports. Nat Sustain (2024). https://doi.org/10.1038/s41893-024-01433-4