Controvérsia “astronômica” sobre um planeta envolto por um oceano em ebulição

Graças ao telescópio James Webb, foi detectado um “mundo aquático com um oceano em ebulição” no espaço profundo. Desentendimentos entre astrônomos geram polêmica.

planeta, oceano em ebulição
Os planetas hioceânicos são até 10 vezes mais massivos que a Terra e podem ser habitáveis mesmo que estejam bloqueados pelas marés ou não tenham uma estrela hospedeira.

Na busca por condições habitáveis fora da Terra, e utilizando dados obtidos pelo Telescópio Espacial James Webb (JWST), foram detectadas assinaturas químicas de vapor de água, metano e dióxido de carbono na atmosfera de um exoplaneta quase duas vezes maior que o nosso e localizado a 70 anos-luz de distância.

A mistura química encontrada pelo JWST é consistente com um mundo aquático onde o oceano cobriria toda a superfície, contendo também uma atmosfera rica em hidrogênio, indicam cientistas da Universidade de Cambridge. Apesar do que se possa supor, os pesquisadores apontam que a paisagem marítima de TOI- 270d, como é o nome do exoplaneta recentemente descoberto, pode não ser tão confortável e hospitaleira.

O que é o JWST?

O Telescópio Espacial James Webb é o principal observatório de ciências espaciais do mundo, resultado de uma colaboração entre 14 países, construído e operado em conjunto pela Agência Espacial Europeia (ESA), a Agência Espacial Canadense (CSA) e a NASA para substituir os telescópios Hubble e Spitzer.

Olhando profundamente no espaço e no tempo, suas equipes nos ajudam a desvendar os mistérios do nosso sistema solar, olhar além para mundos distantes em torno de outras estrelas, e sondar as misteriosas estruturas e origens do nosso universo e nosso lugar nele.

Lançado em dezembro de 2021, e com vida útil prevista de 5 a 10 anos, o JWST mudou radicalmente a forma como entendemos o espaço profundo, provando que vale muito mais do que cada centavo dos 10 bilhões de dólares investidos no projeto.

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O equipamento a bordo do JWST captura a luz das estrelas que foi filtrada pelas atmosferas dos planetas em órbita, decompondo-a para fornecer detalhes dos elementos químicos presentes. A partir disto, os astrônomos podem construir uma imagem das condições na superfície de um planeta – e a probabilidade de que a vida possa sobreviver lá.

Um oceano fervente

De acordo com um artigo publicado na revista científica Astronomy and Astrophysics Letters, os pesquisadores de Cambridge dizem que o oceano pode estar mais quente do que 100 graus Celsius, mas devido às altas pressões causadas pela atmosfera densa, um oceano tão quente ainda pode ser líquido. No entanto, ainda não está claro se o planeta é habitável.

No entanto, uma equipe de astrônomos canadenses que fez observações adicionais do mesmo exoplaneta encontrou as mesmas substâncias químicas atmosféricas, mas com resultados diferentes, gerando polêmica. Eles argumentam que o planeta seria quente demais para que a água mantivesse o seu estado líquido (a cerca de 4.000°C), e propõem que ele teria uma superfície rochosa coberta por uma atmosfera incrivelmente densa de hidrogênio e vapor d'água.

Oceano fervente
Ilustração artística da vista dos mares de um exoplaneta hioceânico, com base nas descrições do Prof. Nikku Madhusudhan.

O professor Nikku Madhusudhan, líder da equipe de Cambridge, indica que a evidência oceânica no TOI-270 d é baseada na ausência de amônia, que a química básica prevê que deveria ocorrer naturalmente em uma atmosfera rica em hidrogênio. Mas a amônia é altamente solúvel em água e, portanto, estaria esgotada na atmosfera se houvesse um oceano abaixo.

“Uma interpretação é que este é um planeta “hioceânico, assim chamado porque tem um oceano de água sob uma atmosfera rica em hidrogênio”, disse Madhusudhan.

Polêmica entre astrônomos… e universidades!

Madhusudhan afirma que as condições no TOI-270 d seriam muito diferentes daquelas da Terra, uma vez que está bloqueado pelas marés e, consequentemente, um lado fica permanentemente voltado para a sua estrela e o outro é banhado em escuridão eterna, criando um contraste de temperatura extrema.

O lado noturno poderia abrigar condições habitáveis, mas a pressão atmosférica seria dezenas de vezes maior do que a pressão na superfície da Terra, com o vapor subindo do oceano. É provável que as águas atinjam profundidades de dezenas a centenas de quilômetros, com um fundo marinho de gelo a alta pressão sobre um núcleo rochoso.

descobertas do telescópio James Webb
Este conceito artístico, baseado em dados obtidos pelo JWST, mostra um típico disco de formação planetária em torno de estrelas recém-nascidas semelhantes ao Sol.

Mas o professor Björn Benneke, da Universidade de Montreal, questiona a hipótese do mundo “oceânico” de Cambridge. Segundo o cientista canadense, a temperatura na superfície do planeta, que pode chegar a 4.000 °C, é quente demais para que a água seja líquida. E acrescenta que as quantidades substanciais de vapor de água na atmosfera e as temperaturas são decisivas para que a existência de um oceano seja plausível.

Ambas as equipes detectaram dissulfeto de carbono (CS2), que está ligado a processos biológicos na Terra, mas também pode ser produzido por outras fontes. No entanto, não houve sinais de outra molécula biológica, como o sulfeto de dimetila (DMS), portanto a descoberta de atividade biológica não pode ser confirmada.

Telescópio James Webb
Ilustração artística do telescópio espacial James Webb no espaço.

Esse tipo de polêmica é positiva e fascinante, já que as descobertas dessas assinaturas químicas encontradas pelo JWST são surpreendentes por se tratarem de ambientes totalmente novos para os quais não temos equivalente no sistema solar. Além disso, o fato de duas equipes científicas diferentes terem visto o mesmo conjunto de dados e a mesma composição química é extremamente encorajador para decifrar as incógnitas que o espaço profundo nos oferece.