Extinção em massa no passado por El Niño descontrolado indica o que pode acontecer num futuro de mudanças climáticas
Novo estudo mostra que maior extinção em massa da vida na Terra, há mais de 200 milhões de anos, foi potencializada por eventos extremos de El Niño
Um estudo publicado neste mês na revista Science mostrou que a maior extinção da história da vida na Terra, ocorrida há 232 milhões de anos, ocorreu devido a uma situação climática onde a magnitude do fenômeno El Niño-Oscilação Sul (ENOS) começou a aumentar de forma descontrolada.
Existem, na história da vida na Terra ao longo das eras geológicas, cinco grandes extinções em massa, que diminuiram drasticamente a fauna e a flora do planeta em épocas geológicas distantes. Todas elas estão associadas a uma intensa atividade vulcânica, que jogava gigantescas quantidades de gases estufa na atmosfera, tornava a temperatura do planeta muito alta, e levava as espécies a desaparecer.
O novo estudo trouxe evidências de que essa extinção foi a maior de todas, e quase encerrou a vida no planeta, porque além da atividade vulcânica (presente em todos os eventos de extinção), este caso contou com um forte aliado: uma situação de ENSO descontrolada, com eventos extremamente intensos.
El Niños extremos, em um oceano gigantesco
Na época da extinção do Permiano-Triássico, a Terra era muito diferente do que é hoje: Não haviam diversos continentes, e nem oceanos diferentes, como temos atualmente. O planeta era caracterizado por uma única massa de terra, um supercontinente conhecido como Pangeia, circundado por um único oceano gigantesco, chamado Panthalassa. Neste oceano, pesquisadores mostraram que ocorriam aquecimentos e resfriamentos periódicos, ou seja, eventos de ENSO.
Então, erupções vulcânicas extremas começaram a lançar enormes quantidades de gases estufa na atmosfera, principalmente o gás carbônico. Ao mesmo tempo que a temperatura do planeta subia rapidamente por conta disso, eventos extremos de ENSO começaram a acontecer em Panthalassa. O ENSO começou a aumentar ainda mais os eventos extremos de calor e seca sobre o supercontinente Pangeia (tal como, por exemplo, o El Niño faz atualmente no Sul do Brasil, só que em uma escala mais intensa).
Com os eventos extremos ligados ao ENSO, a flora de Pangeia começou a definhar. E a vegetação é um mecanismo essencial para remover gases estufa da atmosfera. Com a vegetação morrendo, mais e mais gás carbônico liberado pelos oceanos foi se acumulando na atmosfera, esquentando ainda mais o planeta, e por sua vez levando a eventos ENSO ainda mais fortes. Com isso, um processo foi intensificando o outro e a temperatura em várias regiões do globo chegou a ultrapassar 60°C, em períodos onde a temperatura do oceano tornava-se extremamente anômala durante os eventos de ENSO.
O estudo recente indica então que, diferente das outras extinções menores onde apenas os vulcões tiveram um papel, a extinção do período Permiano teve a colaboração de eventos de ENSO onde as anomalias de temperatura eram muito elevadas, muito mais do que são, em média, hoje.
A importância de conhecer o passado para entender o futuro
Este estudo é de grande importância não só para conhecer os motivos que levaram ao acontecimento de uma grande extinção há milhões de anos, como também entender um problema muito mais prático e atual: quais podem ser as consequências para a biodiversidade da intensificação dos fenômenos ENSO no futuro, num cenário de mudanças climáticas?
Alguns estudos recentes (por exemplo, este e este) indicam que, com o aquecimento global e as mudanças climáticas, o ENSO tende a se tornar mais intenso, com maior amplitude, nas próximas décadas.
Com isso, embora o planeta seja muito diferente hoje do que era há milhões de anos, a intensificação dos eventos ENSO projetada no futuro pode levar a eventos cada vez mais extremos no futuro. O entendimento dos efeitos de um ENSO descontrolado no passado distante pode fornecer pistas e conhecimentos para enfrentarmos situações de ENSO intenso num futuro de mudanças climáticas.
Referência da notícia:
Sun, Y., Farnsworth, A., Joachimski, M. M., Wignall, P. B., Krystyn, L., Bond, D. P., ... & Valdes, P. J. (2024). Mega El Niño instigated the end-Permian mass extinction. Science, 385(6714), 1189-1195.