Furacão Milton e sua rápida intensificação: reflexo das mudanças climáticas?

Fortalecimento muito rápido gerou mais um ciclone de características impressionantes no Atlântico Norte! Por que essa rápida evolução acontece, e o quanto isso pode ter a ver com o aquecimento global?

imagem de satélite, furacão Milton
Furacão Milton na tarde de terça-feira (08 de outubro)

O furacão Milton, formado sobre o Golfo do México no dia 05 de outubro, está se deslocando em direção ao estado norte-americano da Flórida. Ao longo do dia 07, ele passou pela costa da Península de Yucatán, no México, provocando ventos fortes e precipitação.

Na última segunda-feira (07), Milton passou de um furacão categoria 1 (ventos sustentados em torno de 150 km/h) para categoria 5 (ventos sustentados atingindo 278 km/h, e rajadas acima de 300 km/h) em pouco mais de 12 horas, apresentando uma surpreendente intensificação! Na madrugada de terça (08), o sistema havia rebaixado para categoria 4, mas voltou a categoria 5 na noite de terça.

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Trajetória do furacão Milton: posições passadas (amarelo), posição atual (vermelho) e previsão do modelo ECMWF (azul). O sistema deve atingir a Flórida na madrugada do dia 10

Trata-se de um sistema extremamente forte e perigoso. A previsão mais recente é que Milton atinja o oeste da Flórida (na região da cidade de Tampa) no início da madrugada do dia 10 de outubro (quinta), com categoria 4. É uma situação muito preocupante já que, poucos dias atrás, o estado da Flórida sofreu os impactos de outro ciclone devastador, o Helene.

O furacão Milton já é um dos mais impressionantes desta temporada de 2024 no Atlântico Norte, devido à rápida intensificação. Em termos de pressão minima central (uma medida da força de um furacão - quanto menor a pressão central, mais forte), Milton caiu de 981 hPa para 897 hPa! Em todo o período de registro dos furacões do Atlântico Norte, apenas 6 deles atingiram pressão inferior aos 900 hPa nessa região do planeta:

  1. Wilma (2005): 882 hPa
  2. Gilbert (1988): 888 hPa
  3. Furacão do "Labor Day" (1935): 892 hPa
  4. Rita (2005): 895 hPa
  5. Milton (2024): 897 hPa
  6. Allen (1980): 899 hPa

O que causa a rápida intensificação dos furacões?

O Serviço Meteorológico Americano (NWS) classifica uma rápida intensificação quando os ventos sustentados de um furacão aumentam pelo menos 56 km/h em 24 horas. O furacão Milton intensificou quase três vezes essa velocidade, aumentando impressionantes 153 km/h em 24 horas.

A rápida intensificação é extremamente difícil de prever, mas podemos ter uma indicação de sua ocorrência por dois fatores principais.

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As águas do oceano bastante quentes (30°C) abaixo do Milton foram um dos principais combustíveis para intensificação

O primeiro deles é a temperatura da superfície do mar: quanto mais quente estiver a água sobre a qual o furacão se desenvolve, mais energia o sistema terá para alimentar as tempestades e abaixar a sua pressão;

O segundo fator é o fraco cisalhamento vertical do vento. O cisalhamento significa uma mudança na direção ou velocidade do vento com a altura: quando esta mudança é grande, o furacão tende a se desorganizar, mas quando esta mudança é pequena, o sistema ganha força (foi o que aconteceu no caso do Milton).

Relação com as mudanças climáticas

O fenômeno de rápida intensificação não é raro: estudos estatísticos mostram que a maioria, cerca de 80% dos furacões que atingem categoria 3 ou acima, passam por esse processo. Então, a maior frequência com que estamos ouvindo falar sobre isso está associada, também, a mais sistemas que acabam atingindo categorias elevadas de intensidade.

Nesta temporada de 2024, três furacões do Atlântico Norte exibiram intensificação notavelmente rápida: Beryl (julho/24), Helene (setembro/24) e Milton (outubro/24).

E o que a ciência atual mostra é que mais sistemas estão atingindo categorias altas de intensidade, ou seja intensidades 3, 4 e 5, justamente porque o planeta está mais quente.

gráficos, artigos científicos
a) Tendência de aumento de casos de rápida intensificação no Atlântico, nas últimas décadas; b) comparação do aumento de ocorrências de rápida intensificação em cada classe de sistema, entre os períodos passado e presente; c) predomínio do aumento do número de furacões intensos (categoria 3,4,5) desde 1970 até 2021, no Atlântico e Pacífico. Fontes das figuras estão citadas nas referências.

É fácil entender o papel do aquecimento global no processo: os furacões são sistemas que se intensificam retirando energia (calor) dos oceanos. Em um cenário de mudança climática, onde os oceanos vão se tornando mais e mais quentes, mais energia pode ser transferida para a atmosfera e intensificar os ciclones. Além disso, com a atmosfera também mais quente, há mais energia disponível para converter o calor em tempestades, potencializando ainda mais os sistemas.

Por isso, a maioria dos estudos de projeção do comportamento dos furacões no futuro indicam que estes sistemas tendem a se tornar cada vez mais intensos. Alguns trabalhos mostram que o número total de ciclones por ano pode diminuir, mas a intensidade dos que ocorrerem tende a ser muito maior

Que a mudança no comportamento dos ciclones está mudando, já podemos perceber. Uma pergunta que se pode fazer é: não seria isso uma variabilidade natural? Uma mudança que naturalmente ocorre na natureza, de tempos em tempos? Atualmente, a maioria dos trabalhos científicos utiliza avançadas técnicas estatísticas para demonstrar que é muito improvável que as mudanças que estão sendo vistas, e que são previstas para as próximas décadas, pudessem ser possíveis contando apenas com as variações naturais do planeta. Isso reforça que a ação antropogênica é um fator chave nas mudanças que presenciamos.

Talvez esta temporada de furacões de 2024, com seus sistemas notavelmente intensos e de veloz crescimento (Beryl, Helene, Milton) seja um indicativo do que pode vir a se tornar o nosso normal no futuro.

Referências da notícia:

Bhatia, K., Baker, A., Yang, W., Vecchi, G., Knutson, T., Murakami, H., ... & Whitlock, C. (2022). A potential explanation for the global increase in tropical cyclone rapid intensification. Nature communications, 13(1), 6626.

Lee, C. Y., Tippett, M. K., Sobel, A. H., & Camargo, S. J. (2016). Rapid intensification and the bimodal distribution of tropical cyclone intensity. Nature communications, 7(1), 10625.

Manikanta, N. D., Joseph, S., & Naidu, C. V. (2023). Recent global increase in multiple rapid intensification of tropical cyclones. Scientific Reports, 13(1), 15949.

Martinez, L. C., Romero, D., & Alfaro, E. J. (2023). Assessment of the spatial variation in the occurrence and intensity of major hurricanes in the western hemisphere. Climate, 11(1), 15.