Groenlândia: a taxa de recuo das suas geleiras dobrou nas últimas duas décadas

Um novo estudo identificou um recuo acelerado das geleiras periféricas em toda a Groenlândia no século 21, o dobro do registrado no século 20, indicando uma transição para um novo e rápido estado de degradação.

geleiras, Groenlândia
A taxa de recuo das geleiras periféricas (nas costas) da Groenlândia dobrou nas últimas duas décadas.

O estudo recente, publicado na revista Nature Climate Change, concluiu que a taxa de recuo das geleiras periféricas da Groenlândia ao longo das últimas duas décadas é o dobro da taxa registrada no século 20, o que indica uma transição para um novo e acelerado estado de degradação.

As geleiras periféricas da Groenlândia

As geleiras periféricas e as calotas polares são distintas do manto de gelo da Groenlândia; constituem apenas cerca de 4% da área total glaciada da ilha, mas contribuem com uma grande porção (14%) da atual perda de gelo na região.

Embora os efeitos das mudanças climáticas na Groenlândia estejam bem estudados, a maioria das pesquisas foca na camada de gelo que cobre cerca de 80% do país. Já as variações nas geleiras periféricas (as massas de gelo menores distintas do manto de gelo que circundam a costa do país) não são bem documentadas, em parte devido à falta de dados observacionais.

Diminuição das geleiras

Para o estudo, a equipe de pesquisa combinou imagens de satélite com fotografias aéreas históricas antigas da costa da Groenlândia para documentar flutuações de comprimento de mais de 1.000 geleiras periféricas nos últimos 130 anos.

Nas primeiras duas décadas do século 21 (de 2001 a 2020), as geleiras periféricas perderam massa a uma taxa de –35,5 ± 5,8 Gigatoneladas por ano, uma taxa superada apenas pelas geleiras do Alasca. Esse recuo foi duas vezes mais rápido que o recuo observado durante o século 20. Olhando regionalmente, as geleiras no sul da Groenlândia perderam 18% do seu comprimento, enquanto as das outras regiões perderam entre 5 e 10%.

Essa descoberta ressalta a sensibilidade da região ao aumento das temperaturas globais, e conclui que as mudanças climáticas explicam o recuo acelerado das geleiras periféricas na Groenlândia.

“O nosso estudo coloca o recente recuo dos glaciares periféricos nas diversas zonas climáticas da Groenlândia numa perspectiva de um longo século e sugere que a sua taxa de recuo no século 21 é amplamente sem precedentes numa escala de tempo de um século”, disse Laura Larocca, autora principal do estudo. “A única grande exceção possível são as geleiras no nordeste da Groenlândia, onde parece que o recente aumento de neve pode estar abrandando o recuo”, acrescentou ela.

Ausência de dados antigos

Antes do lançamento dos satélites terrestres na década de 1970, não existiam registros observacionais detalhados e generalizados da região da Groenlândia. Contudo, há cerca de 15 anos atrás, fotografias aéreas da costa da ilha foram redescobertas em um castelo nos arredores de Copenhague. Hoje estão guardadas no Danish National Archives, e puderam ser usadas pelos autores neste estudo, o que lhes ajudou a contar a história passada das geleiras da Groenlândia.

"Essas fotos antigas ampliam o conjunto de dados antes da era dos satélites, quando observações generalizadas da criosfera são raras. É extraordinário que possamos agora fornecer registros de longo prazo para centenas de glaciares, dando-nos finalmente a oportunidade de documentar a resposta das geleiras da Groenlândia às mudanças climáticas ao longo de mais de um século”, disse Yarrow Axford, coautor do estudo.

Digitalizando as imagens

A equipe digitalizou milhares de fotografias aéreas em papel tiradas por pilotos de aviões antigamente, e também coletou imagens do final do século 20. Então, removeram distorções do terreno e usaram técnicas de georreferenciamento para colocar as fotos nos locais corretos da Terra.

Groenlândia
Duas das 200 mil fotos aéreas da costa da Groenlândia, tiradas por pilotos dinamarqueses em aviões, e que foram usadas como base no estudo. Crédito: Danish National Archives.

“Um projeto como esse exige muita gente e muito trabalho manual para escanear e digitalizar todas essas fotos aéreas analógicas. Então, tivemos que fazer muito trabalho de pré-processamento antes de fazer nossas medições”, disse Larocca.

Quando as geleiras crescem e depois recuam, elas deixam para trás uma morena (ou moreia), que é um acúmulo de sedimentos transportados e depositados por uma geleira. A localização dessas morenas permitiu o mapeamento das extensões de geleiras mais antigas, antes das primeiras fotos tiradas pelos pilotos no início da década de 1930.