Mudanças climáticas e seus possíveis efeitos no El Niño e La Niña
Cientistas realizam medições, simulações e análises de dados para responder: como as mudanças climáticas afetaram o fenômeno ENOS e o que podemos esperar desta condição para o El Niño/La Niña num futuro próximo?
Para nos situarmos, lembremos que os registros da ocorrência do fenômeno conhecido como El Niño Oscilação Sul (ENOS) já existiam muito antes de a atividade antropogênica excessiva aumentar a concentração de gases de efeito estufa (GEE) na atmosfera, que provoca um aquecimento cada vez mais acelerado no globo.
Os primeiros registros oficiais do ENOS foram relatados em 1892: um capitão peruano notou a existência periódica de uma corrente oceânica quente nas costas normalmente frias do Peru. E há registos mais antigos associados, por exemplo, em 1789 e 1793 observadores da época relataram graves secas na Ásia, Austrália, México e sul da África, e suspeita-se que este fenômeno possa ter causado a fome que antecedeu a Revolução Francesa.
O ENOS é um fenômeno natural, caracterizado pela flutuação da temperatura da superfície do mar (TSM) na região central e leste do Pacífico equatorial, associada a alterações na atmosfera. Este fenômeno tem grande influência nas condições climáticas de diversas partes do mundo, e muda dependendo da sua fase: 'El Niño' (fase quente), 'La Niña' (fase fria) e Neutro (fase neutra).
O proeminente cientista da NOAA, investigador Mike McPhaden, explica em seu blog que durante mais de 30 anos os pesquisadores do clima têm estado intrigados sobre como a mudança climática forçada pelo ser humano, através das suas emissões excessivas de GEE, afeta o fenômeno natural ENOS. Tenta-se responder a duas questões importantes: se as mudanças climáticas já afetaram o ENOS e, por outro lado, como elas afetarão o fenômeno no futuro.
As mudanças climáticas já afetaram o ENOS?
O último relatório do IPCC afirma que ainda não havia evidências claras de um impacto das mudanças climáticas nas anomalias de TSM no Pacífico tropical relacionadas com o ENSO. No entanto, um estudo recente publicado na revista Nature Reviews Earth and Environment revisita esta questão analisando estudos anteriores e conduzindo novas pesquisas para fornecer informações adicionais sobre esta importante questão.
O ENOS tem uma periodicidade irregular, ocorrendo normalmente a cada dois a sete anos. As oscilações entre El Niño e La Niña têm sido maiores nas últimas décadas, e a mudança climática pode ser uma das causas dessa mudança, segundo os cientistas.
Os autores do artigo notaram que o período mais recente do registro de TSM observado em regiões-chave do índice ENSO, como Niño-3.4, apresenta uma variabilidade de maior amplitude do que a primeira parte do registro. Os últimos 50-60 anos parecem ser mais enérgicos, com maiores oscilações para cima e para baixo do que no período de 1900 a 1960.
Os autores defendem este ponto utilizando diversas fontes de dados e métodos diferentes, prova de que o padrão (gráfico acima) é real, e não apenas um problema de qualidade dos dados devido à relativa escassez antes de 1950.
Por que há uma maior amplitude a partir de 1960?
McPhaden destaca no seu blog que "esperamos que a mudança climática já tenha tido um impacto no ENOS, porque a atmosfera tem agora concentrações de GEE (que retêm calor) 50% mais elevadas do que no início da Revolução Industrial. O desafio é retirar a parte forçada do sinal, fora do ruído de fundo das variações naturais do ENOS".
A questão não pode ser respondida apenas com os dados em si, porque o registro é curto demais e quanto mais voltamos no tempo, menos confiáveis os dados são. Esse aumento na variabilidade nos últimos anos não significa automaticamente que a mudança climática seja a causa, pois poderia ser apenas o aumento e a diminuição natural das variações do ciclo ENOS de década para década.
É por isso que os autores refinam o método de análise, utilizando simulações de vários séculos da última geração de modelos climáticos, combinadas com técnicas de análise sofisticadas, para abordar esta questão e, assim, simular razoavelmente aspectos-chave da dinâmica observada e do comportamento estatístico do ENOS.
Esses 10% parece uma percentagem pequena, mas impulsiona a flutuação climática anual mais forte e mais relevante para a sociedade no planeta. Combinado com outras maneiras pelas quais a mudança climática afetou os impactos do ENOS, esse ciclo amplificado resulta em secas, inundações, ondas de calor, incêndios florestais e tempestades mais extremas e frequentes, como aquelas que observamos durante o último La Niña triplo, explica McPhaden em seu blog.
Como as mudanças climáticas afetarão o ENOS no futuro?
Uma vez que o ENOS envolve a interação entre o mar e a atmosfera, esse feedback torna-se mais forte num mundo mais quente. Prevê-se que o efeito dos GEE no futuro seja mais forte do que tem sido até agora; quanto mais acentuada for a forçante, mais evidentes se tornam os seus impactos.
Nesse cenário, as camadas superiores do Pacífico tropical aquecem mais rapidamente do que as profundezas do oceano. A camada superficial mais quente aumenta a precipitação e, juntas, aumentam a estratificação de densidade da parte superior do oceano, tornando-o mais sensível às forças do vento.
Assim, o acoplamento oceano-atmosfera torna-se mais forte, tornando as oscilações entre El Niño e La Niña mais extremas e, com isso, um ambiente mais hostil para a sociedade.