Mudanças climáticas e urbanização alteram a distribuição dos caramujos no Brasil

Um estudo revela que mudanças climáticas e urbanização estão expandindo os habitats de caramujos transmissores de esquistossomose no Brasil, elevando o risco de transmissão da doença em novas áreas urbanas e periurbanas.

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Biomphalaria, caracol de água doce vetor da esquistossomose

Um estudo recente publicado na Nature communications revelou que as mudanças climáticas e o crescimento urbano estão causando alterações significativas na distribuição dos caramujos do gênero Biomphalaria, principais hospedeiros do parasita Schistosoma mansoni, causador da esquistossomose no Brasil. Esta doença, considerada uma das doenças tropicais negligenciadas mais importantes, afeta milhões de brasileiros e é uma das principais preocupações de saúde pública no país.

O estudo, conduzido por uma equipe de pesquisadores internacionais em colaboração com instituições brasileiras, utilizou técnicas avançadas de aprendizado de máquina e dados de sensoriamento remoto para mapear como essas mudanças ambientais influenciam a distribuição desses caramujos ao longo de três décadas.

Impacto das mudanças climáticas

Os caramujos são extremamente sensíveis a variações climáticas, especialmente aquelas relacionadas à temperatura e precipitação. O estudo mostrou que, ao longo dos últimos 30 anos, as mudanças climáticas provocaram amplas alterações no alcance dos hospedeiros em diferentes regiões do Brasil. Em algumas áreas, especialmente na porção oeste do país, a adequação do habitat para os caramujos diminuiu, enquanto em outras, notadamente nas regiões costeiras do Sudeste e Nordeste, essa adequação aumentou.

A pesquisa identificou que essas mudanças são impulsionadas principalmente pela alteração nos padrões de precipitação e nas temperaturas médias, que afetam diretamente a disponibilidade e a qualidade dos habitats.

Regiões que anteriormente eram menos propensas à presença desses caramujos agora apresentam um aumento significativo na adequação do habitat, criando novas áreas de risco para a transmissão da esquistossomose.

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Parasitas do Schistosoma mansoni sob o microscópio.

Além disso, o estudo destacou que as condições de temperatura, especialmente a variabilidade térmica, desempenham um papel crucial na sobrevivência e reprodução dos caramujos. Espécies como a Biomphalaria glabrata e a Biomphalaria straminea mostraram uma maior adequação do habitat em regiões com alta sazonalidade de precipitação, onde há uma grande diferença entre as estações secas e chuvosas. Isso sugere que essas áreas podem se tornar focos importantes de transmissão, especialmente se as tendências climáticas atuais continuarem.

Urbanização e seus efeitos localizados

Além das mudanças climáticas, a urbanização também desempenhou um papel crucial na alteração da distribuição dos caramujos, embora de maneira mais localizada. O estudo revelou que o crescimento das áreas urbanas e periurbanas, especialmente em regiões que anteriormente eram predominantemente rurais, criou novos habitats adequados para os caramujos.

Esses ambientes urbanos, muitas vezes caracterizados por infraestrutura precária, como sistemas de drenagem inadequados, canais de irrigação e estradas não pavimentadas, proporcionam condições ideais para a sobrevivência e reprodução dos caramujos. Como resultado, há um aumento na adequação do habitat em áreas que passaram por rápida urbanização nas últimas décadas.

Essas mudanças são particularmente preocupantes porque a urbanização não só expande o habitat dos caramujos, mas também aumenta o contato entre seres humanos e áreas infestadas, elevando o risco de transmissão da esquistossomose em ambientes urbanos e periurbanos.

Em regiões como a área metropolitana de Recife e outras grandes cidades do Nordeste, essa dinâmica já é evidente, com o surgimento de novos focos de transmissão dentro ou ao redor de áreas urbanas. Isso representa um desafio adicional para os esforços de controle da esquistossomose, que tradicionalmente se concentravam em áreas rurais.

O estudo conclui que para alcançar a meta de eliminação da esquistossomose até 2030, será essencial adaptar as estratégias de controle e vigilância para levar em conta essas mudanças na distribuição dos caramujos, tanto em resposta às mudanças climáticas quanto à urbanização. A vigilância contínua e a remoção de habitats de caramujos em áreas urbanizadas, juntamente com intervenções de saneamento e educação comunitária, serão fundamentais para mitigar a propagação da doença em novas áreas de risco.

Referência da noticia: Glidden, C. K., Singleton, A. L., Chamberlin, A., Tuan, R., Palasio, R. G., Caldeira, R. L., ... & De Leo, G. A. (2024). Climate and urbanization drive changes in the habitat suitability of Schistosoma mansoni competent snails in Brazil. Nature Communications, 15(1), 4838.