No Cerrado, animais ameaçados de extinção sofrem o impacto de estradas e degradação florestal; confira o estudo

A pesquisa foi realizada no entorno de estradas e paisagens agrícolas no Mato Grosso do Sul. Entre as espécies ameaçadas, estão o lobo-guará e o tatu-canastra.

Pesquisador em atividade de campo e animal atropelado
Estudo monitorou rodovias em áreas florestais e agrícolas no Cerrado. Crédito: Débora Yogui

A cena se repete em estradas e vicinais que cortam o coração do Brasil. Ao longo dos caminhos que ligam o Centro-Oeste do país, corpos de animais (dos mais variados tipos e tamanhos) estirados, vítimas de colisões com veículos. Os acidentes rodoviários estão entre as principais causas da perda da nossa fauna nativa. Apesar disso, ainda existem poucas informações sobre a relação entre as estradas e as populações de espécies.

Um artigo recente, publicado na revista científica Animal Conservation, busca diminuir essa lacuna de conhecimento, voltando-se para um dos mais relevantes e afetados biomas brasileiros: o Cerrado. Desenvolvido por pesquisadores da Universidade de São Paulo, a investigação observou os impactos da proximidade de rodovias, e também a qualidade e conectividade dos habitats, sobre 12 espécies de mamíferos e suas populações locais. A pesquisa foi realizada, entre 2018 e 2019, no entorno de duas rodovias, a MS-040 e a BR-267, área de intensa atividade agrícola no estado do Mato Grosso do Sul.

Entre as espécies analisadas, cinco estão na lista de mamíferos ameaçados de extinção do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio): tamanduá-bandeira (Myrmecophaga tridactyla), anta (Tapirus terrestris), lobo-guará (Chrysocyon brachyurus), tatu-canastra (Priodontes maximus) e queixada (Tayassu pecari). Confira, a seguir, alguns dos principais achados da pesquisa.

Populações de mamíferos são impactadas pela perda de vegetação nativa

Pesquisador Vinicius Alberici prepara armadilha fotográfica para registro de mamíferos. Crédito: Bruna Oliveira
Pesquisador Vinicius Alberici prepara armadilha fotográfica para registro de mamíferos. Crédito: Bruna Oliveira

Para avaliar as mudanças nas populações de animais, os pesquisadores utilizaram imagens de armadilhas fotográficas (cameras trap) instaladas em porções de vegetação nativa ao redor das rodovias. Foram consideradas áreas retangulares entre 5 e 10 km das bordas de cada lado das estradas e com um comprimento 45 a 60 km dessas vias.

A partir de modelos ecológicos e computacionais, foi possível estimar a probabilidade de detecção dos indivíduos de cada espécie e o tamanho das populações.

De acordo com o estudo, a maioria (10) das espécies de mamíferos apresentaram uma variação no número de indivíduos de suas populações, referida como abundância, relacionada à redução da qualidade e conectividade dos habitats. Apenas as populações locais de anta e tamanduá-mirim não foram afetadas por essas variáveis.

A vegetação nativa, composta por áreas florestais e de campos, diz respeito à qualidade do habitat, já a conectividade corresponde à distância entre os trechos dessa vegetação. O Cerrado é um dos biomas mais atingidos pelo desmatamento e por mudanças no uso do solo, sobretudo com atividades agrícolas. De acordo com dados de 2024 do sistema do MapBiomas, o desmatamento no Cerrado aumentou 67,7% nos últimos cinco anos.

Proximidade com estradas afeta 25% das espécies estudadas

Camera trap e anta
Imagem de anta registrada em armadilha fotográfica da pesquisa. Crédito: cedida por Vinicius Alberici

Quando analisados os indicadores da abundância das populações de mamíferos em relação à proximidade com as estradas, os resultados surpreenderam a equipe de cientistas. Apenas 3 (25%) das espécies de animais estudadas demonstraram mudanças significativas associadas ao número de indivíduos: tamanduá-bandeira (Myrmecophaga tridactyla), capivara (Hydrochoerus hydrochaerys) e cachorro-do-mato (Cerdocyon thous).

A hipótese dos pesquisadores é que seis espécies incluídas seriam afetadas por esse fator, considerando dados anteriores de mortalidade por atropelamento em estradas.

“Enquanto duas dessas espécies (tamanduá-bandeira e capivara) apresentaram menor abundância perto de estradas, a terceira (cachorro-do-mato) apresentou a resposta oposta”, relatam no artigo os autores da pesquisa. “As características de história de vida das espécies, o comportamento individual e o impacto das estradas e do tráfego sobre as populações ao longo do tempo podem explicar essas respostas idiossincráticas”.

O estudo é assinado pelo biólogo Vinicius Alberici como primeiro autor, sob orientação do professor Adriano Garcia Chiarello, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da USP.

Chiarello aponta que medidas de conservação das espécies aplicadas à circulação entre fragmentos de vegetação nativa no entorno de estradas são essenciais para proteger as espécies da fauna, especialmente àquelas ameaçadas de extinção.

“Algumas espécies, entre elas espécies ameaçadas de extinção como o tamanduá-bandeira, se beneficiariam de medidas voltadas especificamente para a mitigação dos impactos das estradas sobre suas populações, como a redução da velocidade e o cercamento de alguns trechos associados à construção de passagens de fauna”, explica o professor.

Referências da notícia

Jornal da USP. Falta de vegetação nativa afeta mamíferos em paisagens agrícolas no Cerrado. 2024

Animal Conservation. Unravelling unique responses of mammal abundance to road proximity in agricultural landscapes. 2024

National Geographic. “Se não agirmos rápido, o tamanduá-bandeira corre o risco de ser extinto”. 2020