No oceano, há uma legião de vírus?

Cobrindo cerca de 71% da superfície do planeta e contendo 97% da água nele existente, os oceanos desempenham papel preponderante no equilíbrio climático e na sobrevivência humana. Fornecem metade do O₂ que respiramos, e asseguram parte da subsistência alimentar.

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O oceano, um reino que mal começamos a explorar, e de onde provém a origem da vida.

O planeta Terra, o único na imediação sideral constituído por água em estado líquido, onde, sob um processo de biliões de anos, a vida surgiu, evoluiu e adaptou-se aos diferentes habitats que integram as várias esferas terrestres. Um planeta onde o oceano preenche uma vastidão com cerca de 361 milhões de km², conferindo-lhe o tom azulado quando observado do espaço. É nesta imensidão de água salgada que abunda uma colossal variedade de vida, onde organismos vivos circulam livremente ou se deixam transportar pelas correntes marítimas.

Os oceanos são o lar de um vasto conjunto de espécies, estimada na ordem das 260 mil, abrangendo dimensões desde o minúsculo plâncton à gigante dos mares, a baleia azul. No entanto, para além deste universo animal, um submundo de nano seres, os microrganismos dominam os mares. Considerando a relação de que a cada litro de água existem cerca de 20 mil tipos de vida microbiana, calcula-se que a vida nos oceanos ronde os 2,2 milhões de espécies de vida multicelular, uma pequena fração quando comparada com a existência de microrganismos marinhos, na qual os vírus aparecem na ordem dos 10 biliões por litro.

De ínfima dimensão, variável entre os 20 e os 200 nanômetros (nm = milionésimo de milímetro), os vírus são partículas compostas por material genético (DNA ou RNA, de cadeia simples ou dupla), rodeados por proteínas (cápside), sendo que alguns possuem também um envelope lipídico. São agentes infectantes que atacam células vivas, formados por moléculas de núcleo-proteínas, auto-reprodutíveis e com capacidade de sofrer mutações. Por não terem estrutura celular, sem metabolismo próprio, vivem como parasitas obrigatórios durante o ciclo celular do organismo hospedeiro, sendo os agentes biológicos mais diversificados existentes no planeta.

O papel dos vírus nos oceanos

Os vírus, minúsculas partículas infecciosas, reproduzem-se contaminando uma célula hospedeira, utilizando a biossíntese e a produção de energia da célula, reprogramando-a, sintetizando e transferindo cópias do seu próprio genoma para outras células, como uma fábrica de produção de mais vírus.

São as entidades genéticas mais abundantes no ambiente marinho. Da superfície até ao fundo do mar, em águas tropicais e polares, os vírus excedem em 5 a 25 vezes a quantidade de bactérias, infectando todos os organismos desde as baleias até as próprias bactérias.

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Uma simples gota de água oceânica pode conter aproximadamente 350 mil bactérias e microrganismos.

Em águas superficiais, até cerca de 100 metros de profundidade, os vírus são responsáveis por 10 a 50% da mortalidade das bactérias, sendo que, aliados à hipóxia (ausência de oxigênio), em áreas mais profundas do oceano, a taxa de mortalidade ultrapassa os 60%.

Os vírus marinhos são responsáveis por dinâmicas ecológicas essenciais, como o controle da proliferação de algas, a manutenção da biodiversidade e equilíbrio populacional de espécies de fitoplâncton e bactérias, podendo até influenciar o clima.

Serão os vírus os “polícias bons” dos oceanos?

É generalizado o conceito dos vírus como agentes patogênicos, causadores de enfermidades nos animais e plantas, no entanto, são sensíveis a uma série de stresses ambientais que podem levar à sua destruição.

Os vírus marinhos desempenham papel determinante nos oceanos. Contribuem para o controle da proliferação de algas, que podem asfixiar os peixes ou tornarem as suas brânquias permeáveis às toxinas dissolvidas na água. Atacam bactérias que infeccionam o fitoplâncton causando “marés vermelhas” com efeitos devastadores, assim como, induzem à lise (destruição) das bactérias tóxicas que impactam diretamente na aquicultura (criação de peixes e de frutos do mar).

Os vírus infectam o fitoplâncton e as cianobactérias, destruindo-os e impelindo à libertação de DMS, alterando por a quantidade de nuvens na atmosfera do planeta.

No âmbito climático considere o fitoplâncton, os microorganismos aquáticos de capacidade fotossintética. Estes, produzem um composto de enxofre, o DMS (sulfureto de dimetilo), que evapora na atmosfera onde oxida e forma dióxido de enxofre e ácido metanossulfônico (MSA). Combinado com a água oceânica, o dióxido de enxofre transforma-se em ácido sulfúrico e uma vez na atmosfera, produz ions de sulfato, os quais, conjuntamente com o MSA contribuem para condensação do vapor d'água e por, consequência, a formação de nuvens.

Estas aumentam a reflexão da radiação solar, promovendo o equilíbrio da temperatura na superfície do planeta. Ao se multiplicarem, os vírus infectam o fitoplâncton e as cianobactérias, destruindo-os e promovendo a liberação de DMS, alterando a quantidade de nuvens na atmosfera do planeta.

No majestoso reino oceânico residem extraordinárias formas de vida, moldadas por condições extremas e variadas. Um mundo de desafios constantes, onde se escondem fragilidades a diversas escalas, e incríveis formas de vida de beleza inesperada. Um planeta como um todo, uma magia fascinante que importa preservar.