Número de ondas de calor no Brasil aumentou 4 vezes nos últimos 30 anos, mas o número atual pode ser ainda pior; entenda

Em 2023, uma pesquisa do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), baseada em 60 anos de dados meteorológicos observados, trouxe uma conclusão alarmante: as ondas de calor aumentaram 642% nas últimos seis décadas.

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    O aumento das temperaturas extremas traz preocupação extra para setores de saúde, agropecuária e energia. Créditos: Reprodução/Portal Fluminense.

    Nos últimos anos temos ouvido falar cada vez mais nas temidas ondas de calor. De fato, elas estão cada vez mais frequentes, e isso não é só uma impressão: nos 60 anos de dados observados analisados pela pesquisa do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) elas aumentaram mais de 600% - precisamente 645%.

    Liderada pelo pesquisador Dr. Lincoln Alves, em 2023, o estudo analisou dados de estações meteorológicas no período de 1961 a 2020 no Brasil, e tomou o período de 1961 a 1990 como referência. A partir disso, foram realizadas análises segmentadas sobre o que aconteceu com o clima para três intervalos distintos (1991-2000, 2001-2010 e 2011-2020), que foram comparadas com o período de referência. As análises incluíram três indicadores de extremos climáticos: os dias consecutivos secos (CDD), a precipitação máxima em 5 dias (RX5day) e as ondas de calor (WSDI).

    Indicadores de extremos climáticos

    Os resultados indicam que as anomalias positivas de temperatura (desvios em relação à média) não passaram de 1,5°C entre 1991 e 2000, mas atingiram até 3°C entre 2011 e 2020, principalmente na região Nordeste. Nesta região, durante o período de referência a média das temperaturas máximas foi de 30,7°C, subindo gradualmente para 31,2°C em 1991 a 2000, 31,6°C em 2001 a 2010 e 32,2°C entre 2011 a 2020.

    Já análise das anomalias de precipitação acumulada destacou duas regiões contrastantes entre 2011 e 2020: queda na taxa média de precipitação entre -10% e -40% numa faixa que abrange o Brasil central, Nordeste até o Sudeste; enquanto a área entre a região Sul, parte dos estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul tiveram um aumento entre 10% e 30%.

    A mudança na precipitação influencia os índices CDD e o RX5day. Os CDD eram 80 a 85 dias no período de referência, mas subiram para 100 dias no Norte, Nordeste e centro do país entre 2011 e 2020. Já a RX5day era de 140 mm na região Sul no período de referência, aumentando para 160 mm. Isso demonstra uma intensificação do padrão onde o centro-norte do país tende ser mais seco, enquanto a região Sul vem enfrentando chuvas mais intensas concentradas em 5 dias.

    Ondas de calor aumentam 4 vezes nos últimos 30 anos

    A análise dos observados indicaram um aumento contínuo das ondas de calor no Brasil ao longo dos últimos anos, com exceção da região Sul, da metade sul de São Paulo e do sul de Mato Grosso do Sul - essa informação será melhor discutida no tópico no fim do texto. Entre 1961 e 1990 o número de dias com ondas de calor não ultrapassava 7, mas esse número saltou para 20 dias entre 1991 e 2000, 40 dias entre 2001 e 2010, e 52 dias na década de 2011 a 2020.

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    Índice de ondas de calor (WSDI), indicador de extremo climático, observados nos últimos 60 anos. Entre 1961 e 1990, período de referência, o número de dias com ondas de calor era de 7, e aumentou para 52 entre 2011 e 2020. Fonte: INPE/MCTI.

    O mapa acima, disponível no site do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) do Governo do Brasil, mostra a anomalia WSDI nos três intervalos avaliados pelo estudo: à esquerda 1990-2000, no centro 2001-2010 e à direita 2011-2020. A escala de cores deixa evidente como o número de dias com ondas de calor cresceu muito nos últimos 30 anos, com as cores em vermelho, que representam um período prolongado com ondas de calor, tomando conta de todo o centro-norte do país no painel à direita.

    Este cenário é assustador, não somente pelo risco que representa à saúde, mas também porque ele reflete um grande descaso a nível mundial com as ações de mitigação ao aquecimento do planeta. Além disso, o cenário atual é ainda pior, uma vez que os últimos dois anos bateram recordes de aquecimento e dispararam as anomalias acima de 1,5°C.

    O cenário atual é ainda pior

    Como a pesquisa foi realizada em 2023, só utilizou dados até 2020. Ou seja, não contemplou os dois anos-recorde de temperatura global e regional: 2023 e 2024! Quando os resultados forem atualizados para incluir os últimos anos, este número, que já é impressionante, será ainda mais alto.

    Isso também deve influenciar no resultado obtido para a região Sul, onde a pesquisa destacou que as ondas de calor não aumentaram - soando bastante contra intuitivo. Não é raro vermos alertas de ondas de calor para a região Sul do Brasil, Mato Grosso do Sul e Mato Grosso. Isso porque, a região sofre influência de bolhas quentes centradas no Paraguai e Argentina com certa frequência e, especialmente, nos últimos anos.

    “O mais recente relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas das Nações Unidas) destacou que as mudanças climáticas estão impactando diversas regiões do mundo de maneiras distintas. Nossas análises revelam claramente que o Brasil já experimenta essas transformações, evidenciadas pelo aumento na frequência e intensidade de eventos climáticos extremos em várias regiões desde 1961 e irão se agravar nas próximas décadas proporcionalmente ao aquecimento global”, disse Lincoln Alves.

    Ondas de calor causam sobrecarga do sistema público de saúde, o aumento dos dias de estiagem impactam nos reservatórios de energia, enquanto o aumento da precipitação nas escalas curtas de tempo representam eventos extremos com potencial de alagamentos, inundações e enchentes, trazendo prejuízos financeiros e de qualidade de vida, incluindo perda de vidas.

    Será que o Brasil, sede da próxima COP em 2025, está preparado para enfrentar a fúria das mudanças climáticas desencadeada pelo aquecimento global?

    Referência da Notícia

    Número de dias com ondas de calor passou de 7 para 52 em 30 anos, publicado em 13/11/2023.