Os danos que o clima pode trazer para a agricultura brasileira
As mudanças climáticas podem impossibilitar o cultivo de várias culturas em diferentes regiões do país, o que vai desestruturar a agricultura brasileira caso o agricultor não esteja informado e preparado para enfrentar os próximos anos.

Quando falamos sobre mudanças climáticas, a maioria das pessoas tende a tratar os agricultores como “vilões do clima”, excluindo-os de qualquer discussão relativa ao meio-ambiente. Mas a realidade é que a agricultura brasileira não se beneficia das mudanças climáticas, e será drasticamente impactada nas próximas décadas.
Hoje, 70% dos brasileiros se sustentam através da agricultura familiar, muitos deles de maneira sustentável, e uma grande parcela em situação de subsistência e pobreza. Isso equivale a cerca de 4,4 milhões de famílias. Esta parcela da população fornece a maior parte dos alimentos que consumimos e não é a grande responsável pelo desmatamento.
Dados públicos do IBAMA revelam, na verdade, que os 25 maiores desmatadores do país são grandes empresas, políticos e banqueiros cujas centenas de autuações chegam a valores superiores a 6 bilhões de reais, 10% do total de multas aplicadas por devastação da flora desde 1995. A imensa maioria deles jamais pagou suas multas e acumula outras dívidas com o poder público.
As mudanças climáticas impulsionadas pelos maiores desmatadores vão afetar principalmente os agricultores menores, que são mais vulneráveis às flutuações do mercado e podem desestabilizar toda a base do agronegócio no país.
Conheça os 25 maiores desmatadores da Amazonia:
— The Intercept Brasil (@TheInterceptBr) January 31, 2020
Durante meses, analisamos mais de 284 mil multas por desmatamento nos últimos 25 anos. Descobrimos que os maiores destruidores do meio ambiente são algumas das pessoas mais ricas e poderosas do Brasil. https://t.co/hXafzvWKPS pic.twitter.com/vKyrQMc0Bx
Já é fato bem conhecido e comprovado que a concentração de gases do efeito estufa aumentou nos últimos 150 anos, e que as ações do ser humano tem influência nisso. Mesmo que alguns locais do planeta estejam esfriando, outros estão aquecendo, e na média o que observamos é um aquecimento global.
A grande questão é que as mudanças climáticas existem, mas elas não significam que o mundo vai acabar, mas sim que ele vai mudar. Pesquisadores como Nereu Streck e Cleber Maus da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) argumentam que o aumento de gases do efeito estufa parece ser inevitável, pois a queima de combustíveis fósseis não deve diminuir em nível global a curto e médio prazo.
Impactos no trigo e na soja
A princípio, a injeção destes gases na atmosfera pode ser benéfica para a agricultura, pois aumenta a eficiência da fotossíntese em culturas como a soja. No entanto, o aumento na temperatura que vem com essa injeção pode anular estes efeitos benéficos, causando um estresse na planta que compromete a sua produtividade. Isso vale para o rendimento de culturas como trigo e soja, por exemplo, que podem inclusive ter sua produtividade prejudicada.
Impactos na cana-de-açúcar
Já um estudo publicado por Marin et al. de 2013 sugere que o cenário de aquecimento global beneficiará a cana de açúcar, que pode ter um aumento de até 54% de produtividade no Sul Brasileiro. Além disso, a produtividade da cana no centro-norte de São Paulo também aumentaria, assim como a área cultivável no Sudeste.
Sugarcane fields around a biofuel factory
— Valt Ze (@Valtzen) March 12, 2020
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SW Brazil, Mato Grosso do Sul municiaplity
The first production car running entirely on ethanol was the @fiat 147, introduced in 1978 in #Brazil
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Isso significa que, com o aquecimento global, mais regiões apresentariam um clima favorável à produção de cana de açúcar, um cenário na verdade muito bom para produção brasileira de açúcar e combustível.
Impactos no milho
Já algumas culturas, como o milho, podem ter impactos variados dependendo do local. Estudos como o de Dalmolin et al. de 2018 sugerem que na metade sul do estado do Rio Grande do Sul, o aquecimento global pode aumentar a produtividade do milho, enquanto na porção norte a produtividade vai cair, por exemplo.
Impactos no café
Já para cafeicultores, as notícias são bem piores. Como sugere um estudo de Bunn et al. de 2015, altas temperaturas reduzirão a qualidade e a produtividade tanto de café Arábica quanto Robusta, principalmente em regiões de baixa altitude.

Outro estudo de Delgado Assad et al. Mostra que em São Paulo, Goiás e Minas Gerais, 95% das regiões aptas a produzir café serão perdidas, e no Paraná esse número chega a 75%. Isso significa que a área cultivável no Brasil vai ficar restrita apenas às regiões de maior altitude.
Além disso, estudos como o de Ghini et al. Sugerem que as condições climáticas se tornarão cada vez mais favoráveis para o surgimento de pragas nas próximas décadas, como nematóides e o bicho mineiro. Elas também se tornarão cada vez mais resistentes aos pesticidas.
No entanto, nem tudo está perdido. Outros estudos como o de Zullo Jr. et al. em 2011 indicam que o extremo Sul do Rio Grande do Sul, por exemplo, terá um número muito maior de regiões aptas ao cultivo do café com o aquecimento global. Isso significa que a produção pode migrar para o Sul e para outros países como Uruguai e Argentina.
Conclusões
E, na verdade, este é o conceito principal que os produtores precisam absorver sobre as mudanças climáticas: As culturas vão mudar. O que um produtor produz hoje na sua fazenda, não conseguirá mais produzir amanhã, o que causará uma desestruturação gradual no agronegócio brasileiro ao longo das próximas décadas.

Para que o agronegócio brasileiro esteja preparado e não entre em colapso, deixando milhões de famílias no campo sem amparo, precisamos entender que o aquecimento global existe e, principalmente, juntar esforços científicos para compreender qual será seu impacto na produção brasileira ao longo das próximas décadas e qual a melhor maneira de mitigá-lo.