Pela primeira vez, um artigo de cientistas indígenas brasileiros é publicado na revista Science; confira o estudo
Artigo defende a integração entre saberes indígenas e a ciência ocidental para fortalecer medidas de conservação e sustentabilidade na Amazônia
Divulgado em dezembro de 2024 pela Science, o artigo “Indigenizando as Ciências da Conservação para uma Amazônia Sustentável” apresenta a visão de povos indígenas do Alto Rio Negro, no Amazonas. Os autores argumentam que esses saberes também devem ser reconhecidos enquanto ciência. É a primeira vez que um artigo escrito por cientistas indígenas brasileiros é publicado pela revista Science, uma das publicações científicas mais renomadas do planeta.
O estudo é resultado de uma colaboração multidisciplinar entre seis pesquisadores indígenas brasileiros e oito pesquisadores não-indígenas. Por dois anos, o grupo formado por antropólogos, ecólogos e biólogos dedicou-se à ideia da ciência indígena, baseada nas práticas de povos originários dessa porção da Amazônia.
“Se não formos nós a dialogar com os cientistas, quem fará isso? Queríamos também construir essa ponte”, afirma o antropólogo Justino Rezende, indígena do povo Utãpinopona-Tuyuka e um dos autores da pesquisa. Entenda a seguir o que propõe o artigo:
Natureza e pessoas conectadas em rede
A ciência e razão ocidentais há muito tempo estabelecem uma divisão entre o mundo natural e o mundo social, dos seres humanos. Nas palavras de um dos principais pensadores indígenas contemporâneos, Ailton Krenak: “fomos nos alienando desse organismo de que somos parte, a Terra, e passamos a pensar que ele é uma coisa e nós, outra: a Terra e a humanidade”.
Segundo essa visão, a natureza em sua complexa comunidade biológica (animais, plantas, rios, montanhas, as estrelas) são outros-humanos, formas de existência que estão conectadas com as nossas. “Assim, entendemos que são outras ‘gentes’ que precisam ser ouvidas também. Como podemos ouvir esses seres, essas outras gentes, que hoje em dia são chamados de “não humanos” ou, em outros contextos, de “mais que humanos”?”, explica Justino Rezende.
Visão integrada é chave para conservação do planeta, aponta estudo
O olhar utilitarista do meio ambiente como fonte de recursos ou grande “almoxarifado” da humanidade (usando outra expressão de Krenak) é o que estaria levando a Terra a esse estado de pressão, esgotamento e desequilíbrio, com intensa destruição da floresta e dos rios, de um lado, e o aumento de eventos climáticos extremos.
Os cientistas não defendem que a natureza é intocável, mas que ela seja usada de forma equilibrada com respeito a seus ciclos e limites. Estudos recentes, como levantamento realizado pelo Instituto Socioambiental (ISA) em 2022, atestam que os povos indígenas e tradicionais exercem um papel essencial na conservação da natureza, protegendo cerca de um terço das florestas nacionais, sendo que as Terras Indígenas representam 20% desse total nos últimos 35 anos.
Conforme o artigo, os pesquisadores sugerem “caminhos alternativos para abrir espaços de diálogo entre as estratégias de conservação e restauração baseadas na ciência ocidental e os conhecimentos e práticas dos povos indígenas”.
Referências da notícia
Science. Indigenizing conservation science for a sustainable Amazon. 2024
InfoAmazônia. ‘Existem outras formas de compreender o mundo’, diz cientista indígena Justino Rezende sobre artigo publicado na Science. 2025
Superinteressante. O que diz o artigo de cientistas indígenas brasileiros publicado na Science. 2024
Instituto Socioambiental. Estudo comprova que Povos Indígenas e Tradicionais são essenciais para a preservação das florestas. 2022