Por que os cientistas jogam pássaros falsos em aviões falsos?
A mobilidade aérea urbana é o futuro dos transportes, mas enfrenta o mesmo problema da aviação geral: colisões com pássaros. Novos estudos ajudam a determinar os riscos.
Pela natureza extraordinária do caso, todos nos lembramos do acidente denominado “Milagre no Hudson”. Em 15 de janeiro de 2009, um Airbus 320 pilotado pelo Capitão Chesley “Sully” Sullenberger teve a experiência e a coragem necessárias junto com sua tripulação para tomar as decisões corretas em meio a uma emergência extrema quando, logo após decolar do aeroporto LaGuardia, em Nova York, o voo 1549 da US Airways encontrou um bando de pássaros.
Os pássaros, que foram sugados pelos motores, causaram a sua falha, obrigando o piloto e a sua tripulação a tomar decisões rápidas baseadas na experiência e treino, e potencialmente salvando a vida de todos os passageiros. E chamaram esse incidente de 'milagre', pois foi um acontecimento inédito na história da aviação, e que também destacou a formação e a experiência da tripulação, mas também a importância dos serviços de resgate e do trabalho em equipe de todas as partes.
Segundo a Organização da Aviação Civil Internacional (ICAO), entre 2016 e 2021, foram registrados 273.343 relatos de incidentes entre aves e aeronaves em 136 países. E 74% deles ocorreram no campo de aviação ou próximo a ele, 24% ocorreram durante a fase de decolagem, e 46% ocorreram durante a fase de aproximação e pouso.
As colisões com pássaros são incidentes que ocorrem com mais frequência do que podemos imaginar. E causam prejuízos milionários, além de representarem risco de morte. Portanto, o risco de colisões com aves é gerido através de programas de gestão de aves selvagens em áreas próximas ao aeroporto e métodos para dispersar ou eliminar aves e outros animais que representam um risco para a segurança aérea.
Mobilidade aérea urbana
A Urban Air Mobility (mobilidade aérea urbana) é o novo paradigma do transporte aéreo de pessoas e mercadorias nas cidades do futuro próximo. Segundo a Agência da União Europeia para a Segurança da Aviação (EASA), isso acontecerá em meados desta década.
Para isso, serão utilizadas aeronaves altamente automatizadas, do tipo eVTOL (veículos elétricos de decolagem e pouso vertical), que transportarão passageiros ou cargas em baixas altitudes dentro e entre regiões metropolitanas, de forma eficiente e segura. Empresas como Airbus, Boeing e outras, juntamente com fabricantes de automóveis, estão desenvolvendo novos tipos de aeronaves, por vezes conhecidas como táxis aéreos.
Uma integração bem-sucedida destas aeronaves no espaço aéreo existente é complicada e deve levar em conta vários aspectos. Um deles é o risco de colisão com pássaros, que se prevê ser maior nos táxis aéreos. A altitude de cruzeiro operacional proposta para os táxis aéreos é menor, resultando em uma maior probabilidade de colisão, uma vez que estas são as altitudes onde as aves normalmente voam. Além disso, os táxis aéreos são menores e têm requisitos de certificação mais baixos em comparação com aeronaves convencionais. Como resultado, a gravidade dos ataques prejudiciais às aves é maior.
Estudos com pássaros e aves falsas
Para avaliar o risco e formular regulamentos apropriados, é necessária uma análise extensiva para fornecer uma visão mais precisa do desafio da colisão com aves. Anteriormente, através de “canhões de pássaros”, se lançavam galinhas congeladas em alta velocidade, primeiro em aeronaves abandonadas e depois em placas metálicas que possuíam sensores para medir a força do impacto.
Mas Aditya Devta e Isabel Metz, do Centro Aeroespacial Alemão, e Sophie Armanini, da Universidade Técnica de Munique, encontraram inconsistências e falta de repetibilidade de estudos anteriores devido à participação humana, e decidiram estabelecer uma metodologia para validar um procedimento teórico. Para isso, desenvolveram “pássaros falsos” a partir de diversos materiais como gelatina, borracha, argila polimérica, ABS e HIPS (folha de poliestireno de alto impacto), e os construíram em impressoras 3D. Os pássaros falsos não tinham realmente a forma de um pássaro, mas eram projéteis cilíndricos cujo impacto era semelhante ao produzido por 11 tipos diferentes de pássaros, resultando em 5 tipos diferentes de cilindros.
Em seguida, com base nos projetos das novas aeronaves eVTOL, foram estabelecidas peças com os materiais mais utilizados (alumínio-2024-T3 e plástico reforçado com fibras de carbono) e nelas foram colocados sensores. Por fim, para lançar o falso pássaro, não são utilizados canhões, mas sim largados de uma determinada altura para que atinjam velocidades finais representativas do impacto real dos pássaros. Com isso foi possível validar o modelo teórico em 92,89% de conformidade com os resultados experimentais.
Embora mesmo com certas limitações, este estudo poderá proporcionar maior segurança não só no transporte do futuro, mas também na aviação do presente.
Referência da notícia:
Devta, A. et al. Experimental Evaluation of Bird Strikes in Urban Air Mobility. ArXiv, 2023.