Por que somos atraídos pelo mar? Ciência revela o segredo da “saúde azul”, como o mar melhora a sua saúde mental
O acesso e a exposição a massas de água, ou “espaços azuis”, podem proporcionar uma variedade de benefícios para a saúde e o bem-estar. Saiba aqui porque nos sentimos atraídos pelo mar.
Se você conhece o mar, provavelmente já ficou estupefato várias vezes olhando para ele. É comum ficar maravilhado diante do mar, com os olhos perdidos nele, admirando aquele imenso corpo d'água, onde o tempo parece parar e os sons diminuir, para gerar uma sensação especial de calma.
Esta sensação de bem-estar derivada do contato com ambientes aquáticos naturais como o mar, foi estudada por muitos cientistas e está relacionada com a “saúde azul”. Em inglês existe uma palavra para descrever essa emoção que é “awe”. Existe uma linha de pesquisa muito extensa em psicologia positiva sobre o fenômeno.
Por que o mar nos atrai e nos relaxa?
Existem pelo menos três hipóteses para tentar responder a esta questão.
A primeira está relacionada com a origem da vida no nosso planeta, que, como já sabemos, começou nos oceanos primordiais da Terra. Daí podemos dizer que o mar, além de ser fonte de nutrientes e recursos essenciais à nossa existência, é a nossa origem biológica.
Existem enormes semelhanças entre os elementos do nosso corpo, essenciais para diversas funções biológicas, e os componentes da água do mar. Nossas lágrimas e suor compartilham uma composição salina com o mar, por exemplo.
Este tipo de relação com o mar é estudada sob o nome de “hipótese da biofilia” e é uma das três grandes teorias que explicam a atração que o ser humano sente pelo mar.
O enredo do livro Biophilia (1984) escrito pelo biólogo norte-americano Edward O. Wilson (coautor do conceito de biodiversidade) elabora e desenvolve o termo biofilia, que ele entende como a profunda necessidade emocional de estar em contato com outros seres vivos e a natureza.
As outras duas hipóteses para responder estão na teoria da recuperação do estresse psicofisiológico e na teoria da restauração da atenção. Mas as hipóteses não são exclusivas, em conjunto todas contribuem para esta sensação de bem-estar.
Seja na areia, navegando na sua superfície, submerso praticando esportes ou simplesmente sentindo, meditando ou observando, o mar nos permite deixar de lado a opressão mental e nos libertar. Pode nos dar aquela sensação de bem-estar que achamos difícil de encontrar por conta própria, que é tecnicamente conhecida como “restauração”.
A sensação de 'bem-estar azul' pode ser uma ferramenta poderosa para reduzir o estresse e melhorar nosso humor. Nossa conexão com a natureza nos ajuda a colocar nossas preocupações em perspectiva. Restaurar a atenção baseia-se em eliminar todas as preocupações que são o nosso foco de atenção no dia a dia.
Estudos sobre a “saúde azul”
Os 'espaços azuis' foram analisados em vários estudos que tentam quantificar os benefícios da saúde azul. Existem evidências suficientes de que o contato com os chamados 'espaços azuis' (mares, oceanos, rios e lagos) pode promover a saúde e o bem-estar das pessoas.
A maioria dos estudos científicos focaram nos ambientes marinhos costeiros, embora os espaços azuis de água doce devam receber maior atenção, uma vez que mais de 50% da população mundial vive em um raio de 3 quilômetros de uma massa de água doce, e as populações que vivem em áreas sem litoral têm acesso costeiro limitado.
Por exemplo, o projeto “Recepta Blava e-Health” é um estudo piloto que visa fornecer evidências sobre os benefícios da prática de atividades recreativas no mar para a saúde dos pacientes oncológicos, com o objetivo de apoiar a sua recomendação como ferramenta para a promoção da saúde.
Foi desenvolvido ao longo de dois anos por uma equipe multidisciplinar de profissionais envolvendo: pesquisadores, clínicos gerais, oncologistas, biólogos marinhos e antropólogos sociais. A comunidade estudada: uma associação local de apoio a pacientes com câncer e um centro de mergulho.
A pesquisa tenta alcançar uma visão holística do binômio saúde-ambiente, avançando para iniciativas de promoção da saúde baseadas em atividades marítimas consideradas ambientalmente sustentáveis como: natação, snorkel (prática esportiva de mergulho em águas rasas) e caminhadas ao longo da costa.
O estudo envolveu dois grupos de pacientes oncológicos (sem doença ativa), que realizaram sessões de caminhada ao longo da costa, natação e snorkel, no Parque Natural Cap de Creus e na costa de Tossa, ambos na Espanha.
A frequência cardíaca e o sono foram monitorados através de relógios inteligentes, as leituras da pressão arterial e o estado emocional dos participantes foram avaliados através dos questionários Profile of Mood States (POMS). Além disso, avaliou-se se existe um gradiente de benefício positivo em função do grau de contato com o mar, ou seja, se o mergulho com snorkel proporciona mais benefícios à saúde e ao bem-estar do paciente do que nadar ou caminhar próximo ao mar.
A "receita azul"
Com os resultados obtidos no projeto Recepta Blava e-Health, pretende-se estabelecer as bases para implementar uma “Receita Azul”, que contribua para uma abordagem salutogênica nas consultas de cuidados primários, destacando o papel dos espaços azuis na geração de saúde, e não apenas focando na atenção médica da doença.
A "Receita Azul" para pacientes com câncer poderia ser estabelecida no âmbito do programa de Prescrição Social Comunitária, semelhante às chamadas "Prescrições Verdes" que estão sendo desenvolvidas em países como a Escócia.
Referências da notícia:
The Conversation. "Salud azul: cómo el mar puede influir en la salud física y mental". 2024.
McDougall, C. W. et al. Freshwater blue space and population health: An emerging research agenda. Science of The Total Environment, v. 737, 2020.
Rigat, E. F. et al. Planificando una receta azul: los beneficios del mar en la promoción de la salud. Atención Primaria, v. 54, n. 2, 2020.