Semeadura na nuvem: um experimento com consequências imprevisíveis
As origens da semeadura de nuvens remontam à década de 1940 nos EUA. Vincent J. Schaefer e Bernard Volnnegut foram os primeiros a estimular a nucleação de gelo em nuvens usando gelo seco e iodeto de prata. Hoje o método ainda tem limitações.
Controlar o clima ao nosso capricho é algo que a humanidade ansiava. O que parecia impossível, inatingível, começou a deixar de sê-lo a partir de meados do século XX, quando o químico americano autodidata Vicent Joseph Schaefer (1906-1993), com a ajuda inestimável do cientista Bernard Volnnegut (1914-1997), concebeu o método de semeadura de nuvens. Inicialmente testado com sucesso em laboratório, começou a ser colocado em prática na atmosfera real, com resultados promissores, mas mistos. Deixe-nos conhecer o contexto histórico em que esta linha de pesquisa foi aberta, a forma de proceder para semear nuvens e as dificuldades envolvidas.
O Dust Bowl e a Escola de Bergen
Na década de 1930 – a década anterior à descoberta de Schaefer – ocorreram dois eventos que acabaram sendo decisivos na gestação da semeadura de nuvens e na possibilidade de que elas pudessem deixar chuva ou neve. Nos EUA houve uma seca persistente (entre 1932 e 1939), acompanhada de devastadoras tempestades de poeira, que devastaram tudo em seu caminho, causando grandes danos à agricultura, um êxodo em massa de agricultores e uma fome que causou grande mortalidade. A escassez de água nesse período, conhecida como Dust Bowl (a tigela de poeira) marcou toda uma geração de americanos.
Ao mesmo tempo, um grupo de talentosos meteorologistas nórdicos – sob a liderança de Vilhem Bjerknes (1862-1951) – revolucionava a Meteorologia, lançando seus fundamentos teóricos. Um dos mais notáveis representantes da chamada Escola de Bergen foi o sueco Tor Bergeron (1891-1977), a quem devemos a primeira descrição do processo de formação da precipitação em nuvens mistas e frias.
Junto com o meteorologista alemão Walter Findeisen (1909-1945) apresentou uma teoria, cuja principal premissa é que a coexistência de gotículas de água super-resfriadas (em estado de subfusão) e cristais de gelo nas mencionadas nuvens, em determinadas faixas de temperatura, favorece a crescimento deste último graças à maior evaporação do primeiro. O resultado é a formação de embriões de gelo, geradores de flocos de neve ou gotas de chuva.
Esse processo – atualmente renomeado Wegener-Bergeron-Findeisein – era conhecido por Vincent J. Schaerfer quando, a partir da década de 1940, se interessou pelo assunto. Trabalhou no General Electric Research Laboratory, dirigido pelo prestigioso Prêmio Nobel de Química, Irving Langmuir (1881-1957), que o encorajou a investigar a nucleação do gelo em nuvens que continham água em estado de subfusão (elemento chave no processo). Antes de fazer experimentos em laboratório, Schaefer começou a fazer testes caseiros, testando, sem muito sucesso, a capacidade de estimular cristais de gelo em um freezer, introduzindo nele substâncias como talco, sal, pó e um longo etc.
Ele transferiu seus experimentos para o Laboratório General Electric, iniciando-os em um dia quente em julho de 1946, no qual a câmara de refrigeração não esfriou o suficiente para os propósitos que ele estava buscando. Para diminuir ainda mais a temperatura dentro da câmara, ele introduziu nela um pedaço de gelo seco – uma substância também conhecida como neve carbônica (CO2 em estado sólido, que é alcançado abaixo de -78,5ºC) – e observou como em pouco tempo, apareceu uma nuvem de aspecto leitoso, formada por uma miríade de cristais de gelo. Ele havia alcançado a semeadura de nuvens. Algumas semanas depois, seu assistente Vonnegut descobriu que o iodeto de prata (um sal com uma estrutura cristalina muito semelhante à do gelo comum) também era um elemento nucleante eficaz.
Encorajados por um Langmuir entusiasmado a repetir os experimentos e torná-los conhecidos do mundo, começaram a colocá-los em prática fora do laboratório, com a ajuda de pequenas aeronaves, que em seus voos em torno de certas nuvens, previamente selecionadas, dispersavam a substância como eles passaram. Logo se descobriu que os efeitos resultantes duravam mais para o iodeto de prata do que para o gelo seco.
Os resultados promissores de algumas colheitas, que causaram nevascas, despertaram o interesse das forças armadas norte-americanas, lançando o Projeto Cirrus, cujo objetivo declarado era a modificação artificial do clima. O entusiasmo sem limites de Irving Langmuir foi refreado por meteorologistas do Serviço Meteorológico dos Estados Unidos, que questionaram os méritos do método.
Semeadura de iodeto de prata e suas limitações
Apesar do esforço que Langmuir fez para tentar demonstrar que a semeadura de nuvens realizada nas diferentes campanhas alterou o comportamento atmosférico em diferentes regiões dos Estados Unidos, a análise detalhada dos registros meteorológicos não atestou tal fato, dando a razão aos meteorologistas. A indiscutível capacidade de nucleação de uma substância como o iodeto de prata não foi negada, mas o alcance do método de semeadura e sua eficácia. Isso se deve à complexidade envolvida nos processos que ocorrem dentro das nuvens e às dificuldades do método de semeadura.
Pensar que para fazer cair chuva ou neve em uma nuvem ou, ao contrário, inibir a precipitação (uma chuva de granizo, por exemplo, no caso de uma nuvem de tempestade) basta que um pequeno avião sobrevoe seu entorno e libere iodeto de prata, ou fazer o mesmo um canhão com uma bateria de sinalizadores, a partir do solo, é um exercício de grande engenhosidade. As nuvens não são objetos “congelados” no tempo e no espaço que permitem uma análise preliminar minuciosa de tudo o que nelas acontece. São processos dinâmicos que ocorrem na atmosfera, em contínua mudança.
Ainda existem limitações técnicas para saber em qual área de um ambiente nublado e em que momento a semeadura pode ser concluída com sucesso. Já se passaram mais de 70 anos desde que Vincent J. Schaefer e Bernard Vonnegut descobriram as capacidades de nucleação de gelo de nuvens de neve de dióxido de carbono e iodeto de prata, respectivamente. Desde então, grandes avanços foram feitos nas técnicas de semeadura de nuvens, mas a capacidade de modificá-las à vontade e alterar as condições climáticas permanece limitada. As grandes campanhas iniciadas em alguns países como a China ou os Emirados Árabes Unidos levantam acima de tudo a incerteza; a incerteza trazida por um possível experimento em larga escala, com consequências imprevisíveis.