O clima no mês de agosto: "fenômeno raro da estratosfera vai ditar o padrão no Brasil", comenta Luiz Felippe Gozzo

Em agosto, o Sudeste e o Centro-Oeste terão chuvas abaixo da média e temperaturas altas. Uma das causas desse cenário é a fase negativa da Oscilação Antártica, forçada por eventos que ocorrem na estratosfera terrestre.

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Muito calor e pouca chuva continuam castigando o Brasil Central em agosto, especialmente na segunda metade do mês.

Julho de 2024 tem sido bastante seco e quente em todo o Brasil Central, devido a um forte padrão de bloqueio atmosférico que se estabeleceu sobre a região. O racionamento de água já é uma realidade em muitos municípios do interior, e as temperaturas mais altas colaboram para manter a energia elétrica mais cara (em bandeira tarifária amarela), devido à alta demanda.

A previsão climática para o mês de agosto traz notícias pouco animadoras: as regiões Sudeste e Centro-Oeste seguirão com muito calor e chuvas abaixo da média até o início de setembro, pelo menos.

Altas temperaturas durante todo o mês

Assim como ocorreu no mês de julho, será comum os termômetros marcarem temperaturas acima dos 35ºC em agosto na maior parte do Centro-Oeste, e em grande parte do Sudeste.

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Anomalias de temperatura previstas pelo modelo ECMWF para a semana entre 19 e 26 de agosto - este será o padrão que vai predominar durante todo o mês: temperaturas próximas à média no Sul, e termômetros nas alturas no Brasil Central.

A atuação de massas de ar um pouco mais frios manterão as temperaturas próximas à média na Região Sul durante quase todo o mês, e também ajudarão a manter as temperaturas no litoral de São Paulo um pouco mais amenas.

No interior do país, as altas temperaturas não dão trégua: Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e o interior de São Paulo serão as áreas onde os termômetros estarão mais acima da média em agosto!

O forte calor no Brasil Central se estende também para as regiões Norte e Nordeste.

Tempo seco principalmente na segunda quinzena

Em relação às chuvas, a primeira quinzena de agosto trará algum alívio para certas áreas. O mês começa com tempo seco no interior, e as chuvas mais expressivas devem se concentrar no litoral do Brasil, desde Santa Catarina até a Bahia. Já na semana de 05 a 12 de agosto, os modelos estão prevendo chuvas um pouco acima da média no sul de São Paulo e Mato Grosso do Sul, dentro da média nas outras regiões do Centro-Oeste, e abaixo da média entre norte de Minas Gerais, o Espírito Santo e a Bahia.

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Principalmente na segunda quinzena de agosto, os modelos do ECMWF prevêem chuvas abaixo da média em todo o Brasil Central.

O Brasil Central deve ter chuva próxima do que se registra normalmente (o que vale lembrar que, para agosto, não são grandes acumulados) também na semana entre os dias 12 e 19. Porém, após o dia 19, volta a se estabelecer o padrão mais seco, e são esperados acumulados abaixo da média, prolongando-se até o início de setembro!

Com o predomínio do tempo seco e quente, devemos ter novamente um mês com frequentes ocorrências de índices de umidade do ar baixíssimos, a níveis que podem prejudicar a saúde humana. É preciso lembrar sempre da hidratação e evitar exercícios físicos ao ar livre nas horas mais quentes do dia.

Padrão climático influenciado pela estratosfera

As condições climáticas de um certo período são resultado de muitos fenômenos diferentes atuando em conjunto na atmosfera. O cenário que está se desenhando durante o mês de agosto é compatível com a previsão de fase negativa do Modo Anular Sul, ou Oscilação Antártica (AAO, da sigla em inglês).

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Previsão do conjunto de modelos GEFS indica que a AAO persistirá em forte fase negativa ao longo dos próximos dias

A AAO é um fenômeno climático relacionado à mudança periódica dos ventos em torno da Antártida, e influencia todo o hemisfério Sul. Quando a AAO está em fase negativa, os ventos tendem a diminuir, causando uma influência em áreas distantes do polo - como o Brasil, por exemplo. Estudos mostram que esta fase está relacionada a diminuição de chuvas e aumento de temperatura no Brasil Central, justamente o que vamos observar em agosto.

Um aspecto interessante da AAO é que esta influência vista na superfície é consequência de um fenômeno que começa em níveis muito mais altos, em torno de 30 quilômetros de altura, na camada atmosférica que chamamos estratosfera (onde está localizada a famosa "camada de ozônio"). Já se sabe, atualmente, que quando esta parte alta da atmosfera aumenta sua temperatura (e há fenômenos que fazem com que ela aumente até 50ºC!), ela tende a "forçar" a AAO para sua fase negativa. A fase negativa então vai se deslocando em direção à superfície, até que dias depois começa a ter seus efeitos na camada próxima ao solo, onde vivemos.

Isto pode ser visto na figura abaixo, que mostra a evolução no tempo da anomalia de temperatura na estratosfera, junto com a evolução do sinal da fase da AAO.

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Anomalia de temperatura na estratosfera, entre 12 e 50 km de altura (quadro superior) e sinal da Oscilação Antártica desde a superfície até 50 km de altura (quadro inferior). Os quadros mostram valores observados de 25 de maio a 23 de julho, e a partir de 24 de julho (branco pontilhado), valores previstos pelo modelo GFS.

A figura cima mostra que um aquecimento estratosférico por volta do dia 15 de julho trouxe uma mudança do sinal da AAO na superfície a partir do dia 20 de julho. O sinal negativo estabelecido manteve-se até o dia 24, e deve intensificar. A figura também mostra um novo aquecimento da estratosfera, mais forte que o de julho, previsto para o início de agosto. Isso deve fazer com que a AAO siga negativa ainda por algumas semanas - e portanto, leve aos padrões previstos de chuva e temperatura no Brasil Central.

O que podemos esperar após agosto?

Os modelos de previsão climática do ECMWF indicam que as altas temperaturas vão continuar ainda pelos próximos meses, mas o padrão de chuvas deve ter uma ligeira mudança no Brasil Central. A partir de setembro, e principalmente de outubro, poderemos registrar acumulados próximos da média, ou até mesmo acima da média. Esta mudança condiz com o estabelecimento da La Niña, previsto para ocorrer dentro dos próximos meses - embora fraca, ela pode trazer esta mudança bem vinda.

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Previsão da anomalia de temperatura na estratosfera (10 hPa), no início de agosto (painel superior) e no início de setembro (painel inferior). O mapa está centrado no Polo Sul.

Os modelos também indicam uma drástica diminuição do aquecimento estratosférico ao longo de agosto (como ilustra a figura acima). Dada a relação entre a temperatura das altas camadas com a AAO, isso pode significar que a fase negativa da oscilação não será tão forte a partir de setembro. Portanto, isso irá contribuir para que tenhamos um início de primavera com as chuvas, tão esperadas para a região central do Brasil, perto ou acima da média.