O que esperar do clima no início da estação chuvosa no Brasil?
Diante de uma combinação de El Niño intenso, águas mais quentes que o normal no Oceano Atlântico e uma fase positiva do Dipolo do Oceano Índico, o início da estação chuvosa em grande parte do Brasil pode estar comprometido!
Diante desse mês de agosto atípico, marcado por um período de veranico que tem gerado temperaturas muito elevadas e valores de umidade relativa em níveis desérticos, surge a preocupação: será que o início da estação chuvosa no Brasil será comprometida?
Ao falarmos da previsão para a estação chuvosa, precisamos ter em mente que estamos falando de previsão climática e não previsão do tempo, que são bem diferentes. Por exemplo, na previsão do tempo queremos estimar com o máximo de precisão possível a quantidade exata de chuva que cairá em um determinado horário em uma determinada região. Já na previsão do clima estamos interessados em saber se o volume de chuva durante certo período de tempo, em determinada área, ficará acima, abaixo ou próximo dos valores médios esperados (climatologia).
Para fazer uma previsão do clima costumamos olhar as condições oceânicas, pois os oceanos são grandes influenciadores do clima global, atuando como uma fonte de variabilidade lenta. Isso quer dizer que quando há uma variação nas condições oceânicas, elas ocorrem de forma mais lenta, e consequentemente, seus impactos na atmosfera demoram para acontecer.
Por isso, observamos quais são as atuais condições do oceano para prever o comportamento do clima meses à frente. Com esses conceitos esclarecidos, vamos partir para uma análise das atuais condições oceânicas e a previsão climática para o Brasil para o início da estação chuvosa, ou seja, a primavera!
Condições oceânicas atuais
O principal protagonista das condições oceânicas no momento é o El Niño, que se desenvolveu de forma rápida e já se encontra bem configurado e estabelecido sobre o Pacífico Tropical Central e Leste, com anomalias de Temperatura da Superfície do Mar (TSM) superando 1°C.
Apesar disso, o fenômeno ainda não está em seu pico de máxima intensidade. As previsões indicam que as TSMs sobre o Pacífico Tropical continuarão se aquecendo até o final da primavera e início do verão, podendo chegar a valores que configuram um El Niño de forte intensidade.
Dessa forma, já podemos esperar um impacto do El Niño logo no início da estação chuvosa. Mas nesse ano o El Niño dividirá seu protagonismo com o Oceano Atlântico, que também tem registrado águas bem mais quentes que o normal, principalmente o Atlântico Norte, e deverá continuar assim nos próximos meses.
Além do El Niño no Pacífico e o Atlântico mais quente, as previsões também indicam o desenvolvimento da fase positiva do Dipolo do Oceano Índico entre o final do inverno e o início da primavera austral. Portanto, teremos três grandes atores atuando logo no início da estação chuvosa do Brasil: El Niño, Atlântico aquecido e a fase positiva do DOI.
Como ficará o início da estação chuvosa no Brasil?
O El Niño, por si só, costuma elevar as temperaturas no Brasil, além de criar um padrão de anomalias opostas de chuvas entre o norte e sul do país, com chuvas acima do normal no sul e abaixo do normal no norte. Padrão associado a episódios de secas no Norte e inundações no Sul do Brasil.
Os efeitos da fase positiva do DOI durante a primavera são muito parecidos aos do El Niño. Dessa forma, espera-se que a fase positiva do DOI reforce o padrão de anomalias opostas de chuva entre o norte e sul do país.
As anomalias de TSM do Atlântico Norte influenciam diretamente o transporte de umidade para o Norte do Brasil, além de influenciar o posicionamento da Zona de Convergência Intertropical (ZCIT). Como o Atlântico Norte estará mais quente que o normal, a ZCIT ficará posicionada mais a norte, atrasando seu deslocamento para sul.
Com isso, o transporte de umidade para o Norte do Brasil será comprometido, desfavorecendo as chuvas na região. E se há um atraso no início das chuvas sobre a região amazônica, há um atraso no início da estação chuvosa em grande parte do Brasil, já que essas chuvas dependem do corredor de umidade vindo dessa região.
Além do Atlântico Norte, não podemos deixar de destacar a região de águas mais quentes no Atlântico Sul, próximo à costa da região Sul do Brasil. Essas águas quentes poderão potencializar as chuvas associadas aos ciclones e sistemas frontais que passarão pelo Sul, aumentando os acumulados de chuvas associados.
Dessa forma, podemos concluir que tanto o El Niño, quanto o Atlântico e o DOI estarão contribuindo para um regime de chuvas abaixo da média sobre o centro-norte do Brasil e chuvas acima da média sobre o sul durante a primavera, começando já no mês de setembro, primeiro mês da estação!